Fui a Buenos Aires abraçar a minha filha Matilde e mitigar quatro meses de saudades.
Foi o programa Erasmus que a levou para tão longe, aprender espanhol e fazer mais um semestre do curso de Direito que está quase a terminar.
E assim voamos até quase à outra ponta do globo, treze horas dentro de um avião (detesto voar), pai, mãe e mais dois filhos, para agarrar este pintainho transviado, a mais aventurosa das minhas filhas, a indómita Matilde, um metro e meio de genica e determinação. Não se teme um reencontro com um filho, mas teme-se ver no rosto daqueles que geramos a dúvida ou a desilusão. E eu, mãe já muito batida por muitas adversidades, dormi mal nos dois dias que antecederam a partida. Como estaria a minha menina? Podem perguntar-me e eu respondo… nestes quatro meses de ausência falamo-nos e vimo-nos mil vezes. Mas olhar fundo nos olhos dela era o meu ponto de chegada e único objetivo. Estou farta de afirmar: ninguém nos avisa o que é isto de ser mãe de filhos crescidos. E assim fomos para uma cidade colossal, uma metrópole imensa, milhoēs de pessoas e um país fascinante.
A primavera argentina acolheu-nos com trinta graus
As ruas cheias de árvores, os mesmos jacarandás de Lisboa lançaram o seu sortilégio. E finalmente, mortos de saudades, apanhámo-la. E olhei e descodifiquei no rosto dela a imensa felicidade de alguém que descobriu o perfume da independência e autonomia. A minha filha transbordava de alegria, feliz por partilhar connosco os segredos de uma cidade que já considera sua. O meu filho, um pirata sempre atento, afirma que ela engoliu a Time Out de Buenos Aires e o resultado foi uma semana alucinante, com um plano de locais e visitas, meticulosamente preparado por ela. Tanto amor num caderninho cheio de anotações sobre museus, restaurantes, viagens e deslocações. O amor não cansa … mas ela deu-nos uma tareia… Não falhou nada… O bairro de Palermo foi a nossa casa no pior boutique hotel dos dois hemisférios que, por ser tão mau… acabou por ser divertido. Aqui a responsabilidade da escolha não foi dela. Mas Palermo é um bairro fervilhante. Lojas, esplanadas, restaurantes, cantos e recantos. Adorei. Fui às brandes avenidas, deambulei por Ricoleta, espantei-me com os jardins e parques imensos. Até vi uma escultura gigantesca que se move em função da luz. Um arrebatamento. Jantei no melhor restaurante argentino, o Tégui, protegido dos olhares indiscretos por paredes de grafitti. E seguramente atingi o nirvana do sushi num local chamado Osaka.
Depois, impunha -se uma visita a Evita Peron no cemitério de Ricoleta, a passagem pelo palácio presidencial, a Casa Rosada, um salto à igreja do Papa Francisco, bem menos interessante de que o homem que a tornou famosa. Sentei-me no relvado da praça das Mães de Maio e rezei uma prece por tantas lágrimas que ali foram derramadas. Museus, mercados, ruas e avenidas, quilómetros sempre a andar. Nós… os cinco. Por ela… Numa cidade sem mar, descobrimos um rio imenso. Puerto Madero, a travessia para Colónia Sacramento, num dia de mar encapelado e nuvens negras. Uma refeição muito rápida no Uruguai soube-me a pouco, e Sacramento um dia vai habitar um dos meus livros .
Viagens sem histórias perdem-se na memória. Esta não… consegui desmaiar no ferry para Colónia, tivemos uns confrontos com os taxistas argentinos por causa dos Ubers e um telemóvel desapareceu para ser entregue dias mais tarde por uma boa alma que recusou alvissaras ou recompensa. Cidade de contrastes, assimetrias e de uma beleza desconcertante.
Despedi-me com lágrimas… não vou mentir. Ela ficou. Mais três meses…
Fala castelhano com o tom argentino… Que me estraña… disse-me ao ouvido
Que é como quem diz …que sente a minha falta !