Cirurgia inovadora em Portugal

Esta semana, o Serviço de Ortopedia Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, realizou uma cirurgia inovadora em Portugal.

Na passada terça-feira, foi colocado o primeiro implante, no país, numa criança de 11 anos, para alongamento do membro inferior esquerdo.

Como nos explica o Professor Delfin Tavares, responsável da Unidade de Ortopedia do CHULC-Hospital Dona Estefânia, são várias as causas que podem levar ao encurtamento dos membros. As mais comuns são:

“malformações congénitas; Infeções osteoarticulares (ossos e articulações) durante o crescimento, das quais resulte o comprometimento das cartilagens de crescimento; Sépsis (infeções graves e generalizadas) durante o crescimento; Displasias ósseas (alterações do crescimento da arquitetura óssea) de natureza metabólica, hereditária, entre outras (ex: acondroplasia/ nanismo); Traumas/fraturas; Resseção de tumores ósseos; Perdas ósseas (p.ex: na sequência de acidentes, consolidações viciosas de fraturas)”.

Esta cirurgia consiste na colocação de um implante intramedular mecatrónico (Fitbone) e é uma técnica que vem apresentar muitas vantagens face à adotada até ao momento, permitindo a correção de deformidades e encurtamentos dos membros de forma mais rápida, eficaz e menos traumática para o paciente, seja criança ou adulto.

Parabéns à equipa que nos permite agora melhorar a qualidade de vida de mais crianças e acompanhar os avanços da medicina, com uma intervenção que já é feita em vários países do mundo.

Entrevista com o médico Delfin Tavares, Responsável da Unidade de Ortopedia do CHULC-Hospital Dona Estefânia

Esta cirurgia significa que, a partir de agora, as crianças na mesma situação de deformidade e/ou encurtamento dos membros inferiores, podem equacionar esta opção em Portugal? A técnica já foi executada antes, em outros países?

Sim, neste momento já é possível a realização desta cirurgia em crianças e adolescentes, sendo de referir que a mesma também pode ser realizada em pacientes adultos.
Esta intervenção tem vindo a ser realizada com sucesso em vários países, a nível mundial (Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Países Baixos, Noruega, Polónia, Espanha, Suécia, Suíça, Peru, EUA).

Que principais critérios deverão ter as crianças para poderem ser submetidas a esta cirurgia inovadora?

Esta técnica é aconselhada, preferencialmente, a crianças a partir dos 10/11 anos de idade, que tenham encurtamento do membro igual ou superior a 4 cmse cartilagem de crescimento fechada ou com lesão que afete de forma grave o crescimento ósseo do referido membro.
Também tem indicação no caso de adolescentes com encurtamento do membro igual ou superior a 4 cm.

É uma cirurgia com resultados definitivos? Ou seja, acompanha o desenvolvimento da criança – ao alongar o membro mais curto? Ou corrige pontualmente o encurtamento, por exemplo, requerendo futuras cirurgias?

Através de tabelas de crescimento é possível estimar o crescimento ósseo da criança/ adolescente (comprimento final).
Assim, a cavilha permitirá não só alongar o membro mais curto progressivamente, até correção da deformidade/ ncurtamento do membro, como também, de acordo com as referidas tabelas, aumentar ainda os centímetros em falta até ao tamanho com que os membros ficarão no final (expectável) do desenvolvimento ósseo da criança.
Ou seja, o implante não procede ao alongamento durante todo o período de crescimento da criança/ adolescente, mas permite a correção e alongamento do membro até que este atinja o comprimento normal estimado. No entanto, em determinados casos, poderá ser necessária a realização de algum ajuste e, consequentemente, de uma cirurgia adicional de alongamento.

Esta técnica envolve um “mecanismo, posteriormente acionado externamente através de um dispositivo eletrónico de controlo”. O que significa?

Quando o implante é colocado, é igualmente introduzido um pequeno recetor subcutâneo.
Após a cirurgia é entregue aos pais um aparelho eletrónico, normalmente designado por “unidade de controlo” (o qual está equipado com um pequeno transmissor, aproximadamente do tamanho de uma moeda de 2 euros), que é programado casuisticamente pelo médico cirurgião para proceder ao alongamento necessário à correção da deformidade.

Depois, em casa e de uma forma simples e rápida, basta os pais encostarem o transmissor à zona do membro onde foi colocado o recetor para realizar o alongamento diário de acordo com o número de vezes definido pelo médico assistente, sem necessidade de se deslocarem ao hospital para realização do tratamento.

Em termos de qualidade de vida para estas crianças – qual o impacto desta cirurgia inovadora?

Verifica-se uma enorme alteração, para melhor, na qualidade de vida destas crianças.

  1. O tempo de recuperação pós-cirúrgico é muito mais reduzido quando comparado com a cirurgia convencional de alongamento (fixador externo). A título exemplificativo, a criança que ontem foi operada fez levante e iniciou fisioterapia 24 horas depois (numa cirurgia convencional, tal sucederia, em regra, apenas 4 a 5 dias após a cirurgia). 48 horas após a cirurgia, caso se mantenha a evolução favorável que se tem verificado, terá alta.
  2. Isto quer dizer que o tempo médio de internamento é substancialmente reduzido, passando a menos de metade do tempo habitual nas cirurgias convencionais de alongamento, minimizando assim, também, o risco de infeção associada.
  3. É uma cirurgia menos traumática para a criança/ adolescente, uma vez que não envolve a existência de grandes feridas (com exceção de uma pequena ferida, necessária à colocação do implante), nem a necessidade de constante desinfeção das mesmas durante o tempo de utilização do implante como sucede no caso dos fixadores externos.
  4. Não apresenta impacto visual de relevo para a criança/ adolescente, apresentando-se o membro em tratamento como “normal”, quer para a própria quer para terceiros (contrariamente ao que sucede com os fixadores externos, em que o membro surge envolto numa espécie de gaiola de arames que atravessam a pele e osso), melhorando significativamente a autoestima do doente (e consequentemente, a sua integração nas vertentes familiar, escolar, social, etc);
  5. Evita/diminui de forma relevante as sequelas estéticas, típicas dos tratamentos tradicionais de alongamento;
  6. Permite à criança/ dolescente uma mobilidade e atividade normais muito mais rapidamente do que sucede na utilização de fixadores externos, reduzindo muito significativamente o tempo de incapacidade da criança/ adolescente.

Cirurgia inovadora em Portugal equipa-ortopedia-pediatrica

Equipa de Ortopedia Pediátrica do Hospital Dona Estefânia. A cirurgia contou com a colaboração do Professor Franck Accadbled, Coordenador do Departamento de Ortopedia Pediátrica do Hôpital des Efants, em Toulouse, e da Enfermeira Nathalie Poussou, do Departamento de Ortopedia Pediátrica do mesmo Hospital.

 

Foto destaque: Photo by Martin Brosy on Unsplash

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