Izabel de Paula

“Eu não desisto”, Izabel de Paula

Um dia foi amarrada a uma árvore pelos colegas de escola e besuntada com mel junto a um exame de abelhas até inchar de dor. Um dia, cansada do bullying, do trabalho infantil, da pobreza, procurou desistir, mas acabou por escolher um país à sorte para recomeçar. Saiu com uns trocos no bolso para nunca mais voltar. Um dia, todos aqueles que a veem na televisão, elogiam os seus cremes e leem os seus livros, hão de saber que a mulher elegante e premiada é a mesma que dava os bons dias em sotaque português quando lavava as escadas de um bairro inteiro de Lisboa. O dia chegou. A garota do Rio de Janeiro é Izabel de Paula. A mulher que não desiste.

 

“Eu não desisto”, diz-nos, ao fim de hora e meia de conversa, naquele que é hoje o seu gabinete pessoal no Espaço Izabel de Paula, localizado numa das avenidas mais conhecidas da capital, a António Augusto Aguiar. A frase tem olhos rasos de água e é ilustrada pelos diplomas e prémios emoldurados na parede. Prémio “Serviço Estrela”, revista Máxima. Massagens patenteadas. Produtos marca própria. Formações em Londres, Genebra, Eslováquia, Xangai. Dezanove espaços em Portugal com o método Izabel de Paula. Dois livros de sua autoria em cima da secretária (Barriga Fit e Os Pecados do Corpo). Rubricas de beleza em programas de televisão. “Fiz tudo o que é correto para vencer na vida. Sem precisar de passar por cima de ninguém”. E foi isto que a levou a aceitar, recentemente, o convite para falar de empreendedorismo em oito programas de televisão brasileiros, quebrando a promessa que tinha feito a si própria há mais de 20 anos quando as portas do avião se fecharam no Rio de Janeiro: nunca mais voltar. Tinha 19 anos quando decidiu deixar a garota em Ipanema. E terá sido dos únicos e raros momentos em que equacionou desistir.  Na escola, os seus 90 quilos  eram equivalentes a alcunhas como “baleia assassina”. Era perseguida, amarrada e espancada por colegas. E as partidas não tinham fim à vista: “Chegaram a amarrar-me a uma árvore no pátio da escola e besuntaram-me com mel, junto a um enxame de abelhas. Quando a campainha tocou, esqueceram-me de mim e voltaram à sala. No final do dia, a auxiliar veio fechar o pátio e encontrou-me. Cheguei a casa e ainda apanhei da minha mãe, porque tinha faltado às aulas”. Um dia, Izabel parou de chorar. Até a vontade de chorar tinha desaparecido. Passou a estudar mais, descobrindo que, ao fazer os trabalhos de casa dos colegas, estes batiam-lhe com menos frequência. Em casa, Izabel compensava a angústia com comida e cuidava dos irmãos mais novos, para que a mãe pudesse trabalhar. Izabel tinha seis anos quando a mãe, na sequência de um casamento sofrido, saiu de casa com três filhos nos braços. Izabel já ganhava moedas desde os seis anos, a pintar unhas. E percebeu rapidamente a urgência de trabalhar “a sério”. Aos oito anos era já o braço direito do senhor Gonzaga, o proprietário de um cabeleireiro em Ipanema, onde a garota subia aos bancos para lavar cabeças. “O cabeleireiro foi a minha vida”, recorda. Fez o curso de manicura e pedicura, embora sem acesso ao certificado por ser menor. E entusiasmou-se a bater os seus próprios recordes pessoais de tempo, em fazer pés e mãos. Quando, porém, o repórter de um jornal local suspeitou da prática de crime por trabalho infantil, o senhor Gonzaga apresentou-a como filha, mas não teve alternativa e despediu-a. A verdade é que Izabel já tinha clientela garantida, o que lhe permitiu comprar uma maleta e continuar a trabalhar no domicílio. E foi durante uma dessas visitas que uma cliente lhe falou de um verbo até então desconhecido: viajar. Izabel fixou a sonoridade da palavra e, quando se sentiu a afundar num poço sem retorno, deslocou-se a uma agência de viagens e comprou um bilhete de ida. Na agência, perguntaram-lhe o destino. “Na altura eu nem sabia o que era um globo, muito menos que países existiam. Disseram-me que em Portugal falava-se português. E eu, sem questionar onde ficava e a quantas horas de distância, tomei a opção”. Izabel queria partir. A vendedora queria vender. Tinha 18 anos e “só queria ter uma nova vida”.

Quinta da Capela, Estrada de Monserrate. Há pouco tempo, a empresária pegou no carro e voltou a esta morada com a filha, 17 anos, para lhe apresentar a sua primeira “casa” em Portugal, uma hospedaria que acabou por contratá-la para rececionista e empregada de quartos. Trabalhava em part-time. Pelo menos até arranjar as unhas à esposa do proprietário e ganhar a confiança das restantes empregadas. O seu talento e simpatia eram consensuais, o que fez com que, em pouco tempo, a recomendassem para um salão de cabeleireiros em Cascais e, depois, para o Hospital Particular de Lisboa. O dia tinha 24 horas. Izabel trabalhava 19 em três diferentes empregos. Com a mesma postura de sempre: o que é que eu posso aprender mais?

Levanta Bumbum® é uma massagem patenteada, da autoria de Izabel de Paula, e vencedora dos Prémios de Beleza da revista (já fora de mercado) Máxima. Nasceu algures no sexto piso do Hospital Particular, onde Izabel se dirigia todas as tardes para oferecer ajuda às terapeutas, mal terminava o seu horário laboral enquanto assistente de oftalmologia, três pisos abaixo. Izabel de Paula iniciou a sua aprendizagem de técnicas como a drenagem linfática e de outros procedimentos que ali eram aplicados a doentes acamados, em pré e pós-operatório. Mas a sua audácia levava-a sempre mais longe. “Sugeria mezinhas caseiras para melhorar a circulação”, recorda, com sorriso maroto.
Izabel continuava a aprimorar as suas massagens, ainda sem nome, e a fama não passou despercebida à equipa médica. “As doentes estão sempre a chamar por si. E a verdade é que elas estão mais tonificadas. Pode explicar-nos a sua técnica?”. Estava dado o primeiro para a criação de um método de autor, mais tarde registado e patenteado como Levanta Bumbum. “Costumo dizer que tudo acontece na minha marquesa. Foi lá que, anos mais tarde, conheci uma paciente que era farmacêutica num laboratório. Nas sessões seguintes, perguntei-lhe o que era isso de trabalhar com fórmulas. E assim acabei por descobrir que não era suficiente criar combinações de cremes e ampolas. Havia que submetê-las à aprovação das entidades competentes e efetuar registos”. Izabel tem 18 produtos patenteados.

A sua marquesa era cada vez mais concorrida. E o boca a boca fazia o negócio crescer de vento em popa. Izabel desdobrava-se em mãos, pés e massagens. Terminava pela noite dentro, e iniciava pela madrugada as massagens de quem, muitas vezes, vinha direto das discotecas da cidade, só para conseguir uma vaga. Izabel ainda não tinha aprendido a dizer não. “Era difícil recusar clientes que me pediam para fazer também a manicura da filha, da mãe, da avó”, conta. Izabel ainda não tinha aprendido a dizer “não” quando foi convidada, pela primeira vez, para um programa de televisão, e de 10 clientes por dia passou a ter 700 em fila de espera. “Agora que está famosa, já não nos atende?”, ouvia com sentido de culpa. Mas faltava-lhe estrutura empresarial. E no meio do caos,  a morte do pai e o divórcio foram a gota de água.

“O AVC foi o meu novo ponto de partida”, diz, comovida. “Estava no carro com a minha filha. Eis que ela me pergunta por que estava a babar-me e com a cara esquisita. Só tive tempo de a deixar na escola e ainda hoje não sei como cheguei ao hospital. Recordo de ver tudo escuro, e um pontinho branco lá no fundo. Pensei: Deus, eu não quero morrer. Eu tenho uma filha para criar”. A recuperação foi lenta. E até arranjar uma casa e um novo emprego – Izabel teve que suspender a atividade e perdeu tudo o que tinha conquistado -, chegou a viver no seu próprio carro. Divorciada, com a filha a viver com o pai, apenas Madalena sabia desta situação. A auxiliar da escola da filha levava-lhe sopa e palavras de conforto. “Ainda não conseguia caminhar bem quando tive alta do hospital. Não tinha força na parte direita do corpo. Era impensável ganhar dinheiro a arranjar unhas e pés. Além disso, não tinha apresentação para ir a casa de ninguém. Parecia um monstro. Consegui emprego como empregada de limpeza. Lavava as escadas dos prédios de um bairro de Lisboa”. Dava os bons dias em sotaque português e escondia o rosto com um lenço. Não era vergonha. Era receio de perder o emprego, conta.
Ganhava 50 euros mensais por cada prédio, e quando reaprendeu a pintar unhas com a mão esquerda, conseguiu juntar dinheiro para a primeira renda. “Foi uma amiga (Mafalda) que me segurou na mão e me ajudou a assinar o contrato de arrendamento”, refere.

Mafalda também começou por ser cliente da sua marquesa. Amigas e clientes do presente passaram pela sua marquesa. Desde colaboradoras de empresas como  L’Oreal, SIC, entre outras que recrutavam os seus serviços, a mulheres que têm acompanhado o crescimento de Izabel.
Clientes que, na sombra, ajudaram Izabel a crescer. Há nomes mais mediáticos como o de Mafalda Bessa (ex-mulher de Nicolau Breyner): “eu não imaginava que a Mafalda era famosa. Para mim, era só uma boa cliente. Foi ela que me ajudou a fazer uma página no Facebook, dizendo que era uma ferramenta importante de comunicação”. Mas há outras estrelinhas na vida da empresária:  “um dia, já algum tempo depois do AVC, na clínica de estética da Avenida João XXI, desmaiei a meio de um tratamento. Acordei deitada na minha própria marquesa, com a cliente de pé, em roupa interior, a olhar para mim. Séria, fez-me uma pergunta: ‘já almoçou Izabel?’. Menti. Fingi que o copo de água com açúcar, ingerido para enganar a fome, tinha cumprido o seu efeito. Nesse mesmo dia, recebi na receção sacos de comida do Pingo Doce. E soube que essa mesma cliente tinha comprado mais pacotes de massagem, juntamente com outras pessoas que vieram por ela recomendadas. Nunca me confrontou com a situação para não me humilhar. Mas obrigou-me a prometer que eu não voltaria a passar fome”. Não voltou a acontecer.

Izabel tem hoje 12 colaboradoras a quem deu formação e que trabalham num Espaço preparado para assegurar múltiplos tratamentos por dia. Além delas, muitas outras espalhadas por vários pontos do país, mas também em França ou na Alemanha, repetem os gestos patenteados que fazem diferença nos corpos das clientes a quem gosta de chamar Patrimónios. Porque Izabel não desiste. E as suas clientes, como a protagonista deste último episódio que continua a fazer parte da longa lista do agora Espaço Izabel de Paula, não desistem de Izabel.

Bravo Izabel!

Foto: Gonçalo F. Santos

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