“Cada vez que venho ao Coliseu, tremo um bocadinho e sinto-me outra vez naquela noite com 12 anos”

Nasceu a 11 de janeiro de 1985, em Lisboa, e canta fado praticamente desde que se conhece. Mas foi aos 12 anos, em 1997, que ganhou notoriedade nacional como fadista ao ganhar a Grande Noite do Fado, no Coliseu dos Recreios. Lançou o primeiro álbum em 2006, Raquel Tavares, e o segundo dois anos mais tarde, Bairro. Já atuou em alguns dos palcos mais importantes do mundo, em países como Espanha, França, Uruguai, Argentina, Brasil, Canadá, China e, mais recentemente, Austrália. Ficou oito anos sem gravar e regressou agora com um single que já atingiu os tops. Raquel é Raquel Tavares e já não pertence apenas ao fado tradicional. Pertence à música.

Diz que “hoje a Raquel com 31 anos não é a menina que gravou o primeiro disco, aos 21”. O que mudou?

Para já, mudaram dez anos, o que na vida de qualquer pessoa faz imensa diferença. No meu caso, do ponto de vista profissional, mudou muita coisa: gravei o meu primeiro álbum com 21, sendo que já cantava fado desde os cinco ou seis. Em 2008, gravo o segundo disco, um disco de fado, que era o meu registo e que sempre foi o meu registo, o fado tradicional. E quando, em 2010, a indústria impõe que gravemos um disco de dois em dois anos, eu senti que não tinha muito a acrescentar e achei que não era justo estar a gravar um disco só porque sim. Então adiei a gravação desse álbum para adquirir histórias e adquirir vida e ferramentas novas. Foi aí que começaram as viagens, os palcos – porque eu nunca deixei os palcos durante os oito anos em que estive sem gravar. Cantei muito, fiz televisão. Mas acima de tudo viajei, mantive-me muito tempo no Brasil. E finalmente recebo a proposta para trabalhar de novo, com novo management, nova editora. Pensei então: agora, sim, tenho alguma coisa a acrescentar, tenho 31 anos, já vivi mais experiências. Descobri-me enquanto cantora e não só como fadista. Porque esta coisa de se ser fadista é quase uma condição. E ser-se cantor é outra coisa, ser-se artista é outra coisa. Descobri que também o era, e não tinha essa noção com 21 anos. Aos 31, eu já sei exatamente que não quero fazer um disco de fado tradicional. É claro que o meu disco novo tem fado tradicional, porque é a minha primeira identidade. Mas depois tem uma pessoa nova, uma Raquel mais madura, mais adulta, com mais vida. E por isso mesmo é que o disco se chama Raquel, porque sou eu inteira. É uma Raquel mais pessoal, mais próxima, muito mais serena.

Raquel – o que mais inspirou este novo disco?

Todo este percurso, as vezes em que estive fora da minha zona de conforto, viver fora, criar outras famílias, criar outros limites, ter medos, superá-los. Cada tema deste meu novo álbum tem um porquê, nenhum deles é à toa. E tive a sorte de ter comigo amigos envolvidos neste álbum. A começar pela produção, onde está o João Pedro Ruela, meu manager e meu amigo há 10 anos; o Tiago Bettencourt, que é meu amigo; e o Fred Ferreira, que é um incrivel músico e meu amigo também. Todos eles trazem universos diferentes. O Tiago Bettencourt tem o lado da música portuguesa, quase cancioneiro. O Fred Ferreira vem de Orelha Negra, de Buraka Som Sistema, de Banda do Mar, traz outro lado da música do mundo. E o João Pedro Ruela domina a indústria. Portanto, eu tinha as três ferramentas fundamentais para que isto corresse bem. E se não fossem eles isto tinha sido uma grande trapalhada. Também tive muita sorte com os autores. O António Zambujo, o Miguel Araújo, o Tiago Bettencourt, o Jorge Cruz, que escreveu o single Meu amor de longe, que é uma música que me tem trazido muitas alegrias, que toca na rádio − estivemos no primeiro lugar no top da Comercial. É um disco que me tem trazido muitas alegrias.

Conte-nos um dos momentos que mais a marcaram em palco.

É curioso estarmos num lugar que me marcou, no Coliseu dos Recreios, onde eu ganhei a Grande Noite do Fado em 1997. Tinha 12 anos. A Grande Noite do Fado era um evento muito digno, já com 50 anos. Atribuía a carteira profissional aos artistas − na altura, a carteira era necessária para se trabalhar, hoje em dia já não. E ganhava-se por tempo de aplausos. Cada fadista representava um bairro ou uma coletividade e trazia a sua claque. Foi dos momentos mais marcantes da minha vida, pisar o palco do Coliseu dos Recreios com 12 anos. E cada vez que venho (ainda não vim em nome próprio mas espero vir), tremo um bocadinho e sinto-me outra vez naquela noite com 12 anos.

Alfama, como a apresentaria aos turistas?

Alfama é o bairro indiscutivelmente mais bonito do mundo que eu conheço. É quase difícil adjetivá-lo de tão bom que é. Para já, porque representa uma Lisboa antiga e contemporânea. Dado o facto de estarmos assoberbados de turismo, o que é bom para a economia, às vezes torna-se um bocadinho demais para nós, que lá vivemos, porque às vezes nos expõe de uma forma nem sempre correta. Fazem-nos parecer pequeninos, pitorescos, mas de uma forma depreciativa, que eu pessoalmente não gosto. Sempre que oiço um guia a dizer que não temos máquina da roupa é claro que me insurjo. Alfama é um bairro que está perfeitamente modernizado, mas ainda mantém uma Lisboa antiga, Lisboa do povo humilde, de gente de trabalho. Ainda se sente que naquelas ruas passaram varinas, pescadores, estivadores. É um bairro onde se escuta fado em qualquer esquina, quer seja nas casas de fado ou nas casas de quem lá vive. Cheira a santos o ano inteiro. A luz no bairro de Alfama às duas da tarde é ofuscante de tão brilhante que é. Falar de Alfama é quase como falar de mim. Não é possível falar de mim sem falar de Alfama.

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