A maternidade fez de mim uma mulher interessante, por Ana Galvão

Ser mãe foi a melhor coisa que me aconteceu. Foi mesmo. Não tenho palavras para agradecer o quanto eu beneficiei como pessoa a partir do momento em que tive o Pedro e, desta vez, não falo das qualidades humanas. Não falo das extralargas doses de generosidade que me fazem dar-lhe, sem pestanejar, aquele bocadinho de bolo que ansiava comer há uma semana, só porque ele pede, ou que me fazem abdicar de qualquer programa de sonho só porque ficou adoentado. E não falo, especificamente, de como a paciência parece que é um atributo que passei a ter quando toda a vida tive falta dela. Desta vez, não me refiro a estas virtudes que vieram como bónus da maternidade, mas sim aos aperfeiçoamentos físicos de que passei a usufruir.

Ser progenitora requintou, por exemplo, a minha anca, que outrora era uma coisa caída e sem graça e que, depois de levar o Pedro pendurado do lado direito do meu corpo, se transformou numa torneada cadeirinha onde ele passou a sentar-se. Como é que aquilo aconteceu num espaço de semanas? Como é que o meu corpo, ainda juvenil, passou a ser de mãe? Não sei, apenas sei que só posso ter ficado a ganhar, sendo que passei a ter embutido um assento lateral para uma criança. Também de repente, o meu corpo, que era tão insosso, passou a ter entretidos desenhos. Por baixo do peito, e nalgumas zonas da barriga, apareceram umas linhas simples e abstratas, que algumas teimam em chamar de estrias, que vieram adornar o meu aspeto tornando-o numa obra de arte minimalista. Os meus pés cresceram. Acreditem, cresceram um número.

Fascinante. Os meus pezinhos, adequados à minha baixa estatura, ficaram patas compridas que já não entravam nos meus sapatos antigos, o que me fez ter de repor o stock de calçado, e só nós, mulheres, sabemos o gosto que é renovar o armário, certo? E mais, mais. Como se não bastasse, a maternidade veio requintar alguns dos meus sentidos. Primeiro, apercebi-me de que passei a ter a audição de que o meu cão sempre gozou: escutar sons que mais ninguém parecia ouvir. “Um gemido do Pedro, tenho a certeza que é um gemido do Pedro”, dizia eu, perante a incredulidade de todos, que não tinham dado por som algum, e eu tinha sempre razão: o Pedro tinha suspirado, e a seguir gemido. Este fascinante apuramento fez com que, desde o dia em que ele nasceu, eu nunca mais tenha dormido nem descansado tão profundamente como dantes. Uma brisa, um vibrar de telemóvel na sala ao lado ou uma gota a cair no lavatório de uma casa dois andares acima da minha despertam-me instantaneamente. Tão bom. O olfato também se refinou muito. Eu, que achava que tinha um bom nariz e costumava ser a primeira a alertar para cheiros a gás, ou a queimado, não sabia de que falava. Seguidamente a ser geradora de vida, passei, sim, a ter o olfato impecável. O meu poderoso faro passou a identificar cocó específico de uma determinada pessoa. As discussões que tive com o Nuno, pai do Pedro, sobre se estaria eu enganada, porque tínhamos acabado de mudar a fralda. Se não seria alguém que tivesse pisado porcaria ou um descuido de outro menino. E eu “que não, que não, que sabia perfeitamente que aquilo cheirava a cocó do Pedro, de mais ninguém”, e lá tinha eu razão, mais uma vez, e o Dodot tinha de ser mudado. A qualidade nunca mais a perdi, mesmo que o Pedro já não use fraldas. Nunca mais deixei de detetar um rabinho sujo nas redondezas.

Agora, o sentido de que, hoje em dia, mais me orgulho é o da visão. De um ser humano normal, passei a estar ao nível de uma ave de rapina, capaz de ver um animal a 1500 metros de altitude. A precisão e a rapidez não vão, no entanto, para a procura de presas, mas para potenciais perigos para o Pedro. Em segundos, entrando pela primeira vez numa sala, anoto rapidamente: três tomadas, quatro bicos de uma mesa que fica um centímetro abaixo da cabeça dele, um fio de uma lâmpada capaz de o fazer cair, o puxador da porta saído onde, muito provavelmente, vai bater com a cara quando começar a correr, uma lâmpada desprotegida que se partirá em mil pedaços se uma bola for lá parar, uma varanda, com a porta aberta, a dez metros de altura do chão da rua, um adorno de ferro capaz de lhe esmagar um pé se lhe cair em cima, uma cadeira com uma pata torta que, de certeza, vai tombar se ele se sentar. No fundo, uma mentalista de perigos para crianças.

O Pedro também fez de mim uma original criadora de tendências de moda. Eu, que sempre tinha optado por vulgares e chatas camisolinhas monocromáticas, via aparecer adornos repentistas, de formas inesperadas e sempre inovadoras, de bonitos padrões com várias gamas de cores, desde o laranja-sopa ao amarelo-puré-de-fruta, por vezes, ainda, com umas missangas em forma de bagos de arroz ou de esparguete. E o melhor de tudo: sei que ninguém com quem me cruze terá uma peça extamente igual à minha.

Por tudo isto, obrigada, Pedro. Fizeste da mamã uma mulher muito mais interessante, com superpoderes e com uma vida muito mais colorida.

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