É primeira vez que o mercado imobiliário tem tamanho destaque no Relatório de Estabilidade Financeira, do Banco de Portugal.
O Relatório publicado esta quarta-feira dá conta de “alguns sinais de sobrevalorização” dos preços no imobiliário em Portugal, nomeadamente no segmento residencial.
Este aumento tem sido “impulsionado pelo turismo e pelo investimento direto por não residentes”.
E “ainda que as indicações de sobrevalorização em termos agregados sejam muito limitadas, a duração e a rapidez do crescimento dos preços podem implicar riscos para a estabilidade financeira em caso de persistência ou reforço desta dinâmica”, salienta.
O Banco de Portugal refere que a recuperação da oferta de habitação não tem sido suficiente para impedir o aumento dos preços.
Na sequência deste Relatório, Júlia, de Bem com a Vida saiu à rua para ouvir algumas histórias. E não foi preciso procurar muito.
Mário Fernandes, 40 anos, vive num T2 alugado, na zona das Amoreiras. Com dois filhos, um deles recém-nascido, o casal estava longe de pensar em mudar de casa. Até receber uma mensagem da senhoria no telemóvel: “o contrato está a terminar. Prepararem-se para arranjar outro apartamento”. Não era uma renegociação. Era um despejo amável. Mário tentou, porém, manifestar a vontade de permanecer na habitação, ao que a proprietária respondeu com um aumento de valor. E de novas condições: de 580, a renda passaria a 990, um mês de caução e contrato de apenas um ano.
“Um absurdo”, recorda Mário. Mário e Elisa optaram por encontrar alternativa, mas qual não é o espanto quando visitaram um apartamento de dimensões semelhantes, numa rua paralela, e foram confrontados com a renda solicitada: 2200 euros. “Por mês?”, ainda perguntou a mulher de Mário, sem querer acreditar no que ouvia.
A proprietária justificou: “é por isso que prefiro alugar o apartamento a franceses (nos arredores das Amoreiras, está localizado o Colégio Francês). Eles não acham caro”.
Mário e Elisa “engoliram o sapo”. E voltaram a renegociar a antiga casa, solicitando obras necessárias. “Nem pensar”, respondeu o senhorio.
Em agosto, termina o contrato. Mário e Elisa ocupam entretanto os seus tempos livres a pesquisar casas, mas nem há oferta nem valor ajustado ao rendimento de ambos.
Inês, 42 anos, não tem filhos, o que lhe permitiu colocar a casa à venda sem preocupações excessivas sobre onde seria o seu próximo teto. Ficou porém, espantada, quando a imobiliária lhe telefonou, passado apenas alguns dias, a comunicar que já tinha cliente para o seu apartamento em Carnaxide.
Estava na altura de apressar a procura. Inês optou por limitar o alvo geográfico ao Parque das Nações, local do seu atual emprego. Depressa descobriu que não iria viver na expo, onde lhe chegaram a pedir 1200 euros mensais por um T1. Alargou os horizontes, mas sempre que lhe interessava uma oferta e contactava a imobiliária, era tarde demais. O apartamento estava sempre reservado ou já arrendado. De início pensou que era azar. Mas num ápice apercebeu-se de que este seria o maior desafio dos próximos tempos: encontrar uma casa.
Acelerou o passo – mandava mensagens nos segundos imediatos à publicação dos anúncios, aparecia de rompante nas imobiliárias. Nada. O tempo passou e Inês ficou sem solução. “Tive que voltar para casa dos meus pais até encontrar um espaço. É muito mau. Mas nem tudo é mau… passei a levar novamente maça descascada para o trabalho”.
Inês acabou por comprar casa fora de Lisboa. Adquiriu um T2 por 120 mil euros no Montijo.