“Do Avesso”, o mais recente álbum de originais de António Zambujo, entrou diretamente para o top nacional de vendas. É o oitavo álbum do cancioneiro. Oito é o número da sorte. Mas Zambujo não é dado a superstições. É mais dado a… talento!
Entrevista realizada no The Club Steakhouse, a cuja equipa agradecemos toda a simpatia.
A terceira fase de gravações do álbum “Do Avesso” foi feita num estúdio em Salvaterra de Magos, o que levou a equipa de produtores (João Moreira, Filipe Melo e Nuno Rafael) e músicos a ficar alojada numa quinta próxima, de forma a pouparem tempo nas deslocações. Zambujo recorda este episódio, a propósito das histórias de bastidores:
“a dona do alojamento, num sítio isolado, tratava-nos muito bem. De manhã, trazia-nos sempre pão fresco para o pequeno-almoço e à noite, oferecia-nos cafés, chás, licores”.
E longos serões à conversa. Zambujo já tinha conhecimento de que o seu nome está associado “ao enxerto de oliveira”. Mas foi através desta senhora que soube que é do zambujo que vem o melhor azeite. O tempero encaminha-nos no sentido do Alentejo, onde António viveu a sua infância e onde se apaixonou pelo fado e pelo canto alentejano. “Eu achava que aquela forma de cantar fazia sentido.” Mas era dos poucos que preferia o canto tradicional às colunas da discoteca. E por isso o seu lugar na discoteca de Beja, a Pandora, era à porta. Entre um copo de cerveja, um cachorro da rulote e uns acordes de viola, que no Inverno chegava a congelar os dedos.
“Assinei nessa altura a minha sentença com as raparigas. Um adolescente que, nos anos 80, gostasse de fado e de canto alentejano quase nem tinha amigos. Tínhamos uma grupeta e ouvíamos as músicas na clandestinidade”, recorda com um sorriso.
De Beja, vem ainda o cheiro da cozinha. Graças a uma avó materna talentosa na arte de fazer sopas de tomate, feijão com ovos escalfados ou grão com arroz e peixe frito. Todas as combinações culinárias improváveis eram uma delícia, lembra António.
“O leite creme e as fatias de ovos da minha avó eram imbatíveis. Eu comia fatias durante o ano inteiro, não apenas no Natal”, recorda.
Mas o mais doce era “a cumplicidade que tinha com ela. Eu gostava de ouvi-la. Ela contava-me muitas historias. Falava do meu avô, que morreu quando a minha avó estava grávida da minha mãe. Ela dizia que o meu avô cantava bem e que era parecido comigo fisicamente”.
Começou a cantar em público, no Alentejo, (na Pousada dos Loios), depois de se ter iniciado no clarinete com apenas 8 anos. A convite de La Féria, estreou-se no musical, que acabaria por trazê-lo definitivamente para Lisboa, onde também já cantava fado.
O primeiro disco aconteceu em 2002, e depois foi assistir ao meteorito Zambujo. Com provas dadas por esse mundo fora, desde palcos da Dinamarca ao Azerbeijão, onde aliás foi o primeiro português a atuar (em 2007, em Baku).
Dizem que veio ressuscitar o fado masculino, ofuscado nos últimos tempos pelas brilhantes vozes femininas. Diga-se o que se disser, António Zambujo tornou-se um cancioneiro praticamente consensual.
Do outro lado do Oceano, Caetano Veloso referiu-se a Zambujo no seu blogue, escrevendo: “Quero ouvir mais, mais vezes, mais fundo (…) É de arrepiar e fazer chorar”.
Zambujo conta-me que descobriu o Brasil com João Gilberto, o cantor de “Chega de Saudade” que rapidamente introduziu outros nomes na cultura musical de António. Depois de Vinicius e Tom Jobim, chegaram outros tantos. E chegou também a nomeação para o Grammy Latino de “Melhor álbum de música popular brasileira”, com o álbum Até pensei que fosse minha, um projeto em que António recria canções de Chico Buarque.
O Brasil tem sido um destino frequente desde o seu primeiro concerto na Cidade Maravilhosa, em 2008.
Mas não falamos de passeios: “O que torna os sítios bonitos são as pessoas. Não tenho interesse nos pontos turísticos”.
Pergunto-lhe sobre Bolsonaro:
“eu julgo que muitas das pessoas não são pro Bolsonaro. Elas são contra o poder instituído. Votaram na extrema direita porque a extrema-direita diz-lhes que vai acabar com a corrupção”, responde “o alentejano mais carioca”, como lhe chamam os seus amigos brasileiros.
Voltando ao Do Avesso. Com uns parêntesis para vos dizer que estou à conversa com o cantor que em 2015, recebeu a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, entregue pelo Presidente da República.
Do Avesso tem “géneros musicais que eu já gostava, mas não estavam tão evidentes nos discos anteriores. Foi como se me tivesse de me virar do avesso para os identificar.”
Tem ecos de The Beatles e de The Beach Boys. Tem tudo para fazermos play!
Quiz com António Zambujo
Quem é o pai António Zambujo (Zambujo tem dois filhos, Diogo, de 20 anos, e João, de oito) ? Enquanto pai, procuro manter uma relação o mais aberta possível com os meus filhos, mantendo sempre um certo nível de exigência. Uma vez li um texto cujo título era: o que é preciso para ser um bom pai. E depois de várias linhas, o texto apresentava o seguinte resumo: é preciso que eles sintam que nós estamos sempre presentes.
Com que tarefas fica no Natal? Comer e beber.
Banda sonora de Natal? Canções de Natal, de Frank Sinatra.
O que o faz virar do avesso? Incompetência e o xico espertismo.