“Estou muito interessado em que sejam boas pessoas, mais do que bons alunos”, Rui Correia, o melhor Professor do país

Rui Correia, Professor de História, nas Caldas Rainha, é o melhor professor do país.

“Estou muito interessado em que sejam boas pessoas, mais do que bons alunos”, Rui Correia, Professor da Escola Básica de Santo Onofre/Agrupamento de escolas de Raul Proença, nas Caldas da Rainha.

Semanas antes da final do Global Teacher Prize Portugal, o telefone do Professor Rui Correia tocou. Um elemento da organização deu-lhe a notícia em primeira mão: era um dos candidatos ao Prémio, uma candidatura orquestrada em segredo por centenas de alunos, cujas mensagens, confidenciava a interlocutora,  já tinham feito derramar por ali, na organização, muitas lágrimas.

Habitualmente, são os professores que apresentam a sua candidatura ao Prémio, da qual fazem parte alguns alunos enquanto apoiantes. No caso de Rui Correia, o próprio confessa a sua surpresa por nunca ter descoberto a página de facebook que reuniu centenas de ex-alunos em torno de uma causa chamada “o melhor professor do país”.

“Se és ou foste aluno do professor Rui Correia, sabes o que isso significa”, apelava assim Bárbara Filipa aos futuros amigos daquele grupo secreto de facebook.

Bárbara deve ao professor Rui o facto estar hoje a frequentar a licenciatura de “Educação Básica”:

“O professor dá aulas ao 3º ciclo, que é um momento crucial para os alunos, pois é a altura de decidir em que área vamos ingressar. Nesta altura, lembro-me de chegar a análise do psicólogo da escola, indicando que a minha área deveria ser Línguas e Humanidades. A minha futura profissão deveria estar ligada ao Jornalismo. Era viável, mas depois tive história com o professor Rui e ele disse-nos ‘De hoje em diante, deixo de ser vosso professor e passo a ser só vosso amigo”. Chorámos. E, aquele momento marcou-me de tal maneira que decidi que ia ser um ‘Rui’ da educação de infância. Ia ingressar a área da educação e apostar na célebre máxima do principezinho ‘Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si e levam um pouco de nós’. Provavelmente o professor não se lembrará disto, mas no ano a seguir, no meu primeiro estágio, a filha do professor Rui fazia parte do grupo de crianças da minha sala e eu sei que, inconscientemente, tive a oportunidade de lhe transmitir algo que moldou a sua personalidade. A educação é, a meu ver, este processo de reciprocidade constante. Aprendi-o graças às aulas de história do meu professor e amigo Rui Correia.”

Esta e outras histórias levaram a candidatura de Rui Correia à vitória.

"Estou muito interessado em que sejam boas pessoas, mais do que bons alunos", Rui Correia, o melhor Professor do país Barbara-Filia

Eu acreditava piamente que o professor Rui era um forte candidato ao prémio, porque a meu ver ele faz parte da elite das pessoas que tem a capacidade intrínseca de marcar a vida dos outros – Bárbara Filipa, ex-aluna

“As minhas melhores bases da história são, sem dúvida, das aulas dele. Foi há cerca de 7 anos, mas lembro-me perfeitamente de como nos explicou o impacto da Revolução Industrial na sociedade da época. Fez, no quadro, um desenho de duas aldeias visivelmente afastadas, desenhou depois um burro e um pequeno comerciante a percorrer a pé todo o percurso… Depois levou as mãos à cabeça e disse ‘Imaginem a felicidade do Joaquim, este senhor, se ele pudesse levar as coisas num comboio?!’. Além de transmitir história como ninguém, o professor Rui era o primeiro a dizer que estava disponível sempre que fosse preciso conversar, jogava connosco futebol no campo da escola, era o mais solicitado para monitor na gincana do Onofre e dava-nos lições de vida, em todas as aulas.”

Rui Correia é elogiado pelos métodos a que recorre para captar a atenção dos seus alunos, explicando que cada um deles é resultado de um passado e de um acumular de experiências:

“Tenho alunos com 12 anos que já viveram mais do que eu alguma vez vivi: crianças cujos pais, drogados, incendiaram a casa, crianças cujo pai sovou a mãe à sua frente… “.

O melhor professor do ano conta como se sente chocado sempre que se depara com um miúdo de 10, 11 anos, resignado com a “ideia de que ser bom aluno não é para ele, é para filhos de pais ricos. O conhecimento é para todos, não é apenas para os privilegiados”.

Rui Correia não hesita nas palavras: “estou muito interessado em que sejam boas pessoas, mais do que bons alunos”. 

E são estas as convicções que orientam toda uma panóplia de técnicas aplicadas em aula, “com muita amabilidade, humor e exigência” – conta-nos o professor, ao reforçar que nas suas aulas existe a “segurança de errar”.

Cada aluno tem 3 copos empilhados na mesa, e cuja ordem vai variando consoante a situação: copo verde se o aluno está a acompanhar e a perceber, copo amarelo quando se distrai e pretende que o professor volte um bocadinho atrás (“é uma coroa de glória quando o amarelo passa a verde” – refere Rui Correia) e copo vermelho no caso de ter uma questão. Quem responde à questão? Os copos verdes. E assim se entrega “o controlo remoto da aula aos alunos”.

“Há uma pergunta que preside a tudo o que faço: quem é que está a pensar na sala de aula? Se for só eu, não faz sentido”, explica.

E por isso esta metodologia dos copos, que descobriu num livro do educador britânico Dylan William, e que segundo Rui serve muito melhor o propósito da aprendizagem do que o comum “levantar o braço”.

“Acabei com o braço no ar. O que acontece é que acaba por haver um grupo de quatro ou cinco alunos que ficam responsáveis pela aula. Quem levanta o braço é quem sabe a resposta. E o que se pretende é que esses alunos brilhem mas que os restantes também tenham a possibilidade de brilhar”, refere.

Nas suas aulas, também há questões. Mas são os pauzinhos com os nomes dos alunos que, tirados à sorte, ditam quem vai responder. O suspense mantém a turma atenta. E o conhecimento também:

“Tudo tem uma história por detrás. Nike, que se lê Nice, deriva do grego e significa vitória, ASICS é a abreviatura de Anima Sana In Corpore Sano. E beje, por que razão ninguém da turma tem o beje como cor  favorita mas houve alguém que decidiu arriscar e pintar todas as paredes desta escola de beje? Vamos lá saber isso, desafio a turma”.

Bárbara Filipa vai ser educadora por causa de Rui Correia. E Rui Correia, a quem deve o facto de ser hoje (o melhor) professor (do país)?

“Eu tinha um grupo de amigos com quem discutia muito religião. Tínhamos 15, 16 anos. Recordo-me de dizermos que a vida é muito curta e teria que fazer sentido. E eu sabia que a minha vida teria que estar relacionada com cultura – às vezes perde-se essa relação entre o ensino e a cultura”.

Rui Correia nunca perdeu o foco da “vida com sentido”: “Eu quero que nos últimos três minutos do último latejar do meu coração, eu sinta que a minha vida fez sentido”.

“Nobre. Às vezes de tanto repetirmos as palavras, parece que perdem significado. Mas ser professor é de facto uma profissão muito nobre. A minha filha tem seis anos. A professor que a ensinou a ler mudou-lhe a vida para sempre”,  Rui Correia.

Rui Correia foi selecionado pelo júri nacional que este ano tem como presidente honorário o professor Álvaro Laborinho Lúcio e que conta ainda com Afonso Mendonça Reis, o principal promotor da iniciativa em Portugal e elemento do júri do prémio internacional; Pedro Carneiro, a representar a comunidade científica; Sara Rodi, em representação dos pais; João Brites, em representação dos alunos e Eduardo de Sá, professor universitário e psicólogo.

O vencedor recebeu um prémio no valor de 30 mil euros e fica automaticamente nomeado para a edição internacional do Global Teacher Prize, que se realiza desde 2015, pela Fundação Varkey, e que é dedicada à promoção da educação em contextos socialmente desfavorecidos.

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