Carina Pereira

“Apenas quem tem dinheiro pode seguir a recomendação da OMS”, Carina Pereira

Em 2019, a Semana Mundial do Aleitamento Materno tem como tema Empoderar mães e pais, favorecer a amamentação. 1 a 7 agosto.

Iniciativa para alargamento da licença parental inicial até aos 6 meses

A Organização Mundial da Saúde recomenda a amamentação em exclusivo até aos 6 meses de idade.
Mas, quando a consultora Carina Pereira foi mãe, apercebeu-se de que esta orientação não está ao alcance de todas as mulheres. Atualmente, a licença de maternidade prevê 4 meses pagos a 100% ou 5 meses (pagos a 80%), o que “leva muitas vezes as mães a regressarem ao trabalho após este período, deparando-se com uma enorme dificuldade em conciliar amamentação exclusiva e o emprego”.

Por motivos financeiros e para evitar cortes no salário, “as mulheres regressam antes dos seis meses, introduzindo a alimentação complementar, muitas vezes demasiado cedo, e sem que o bebé esteja preparado para tal”.

“Durante 1 ou 2 meses a mãe tem que conciliar a amamentação com o regresso ao trabalho. Ora, isso obriga, necessariamente, a que a mãe deva extrair leite durante a sua jornada de trabalho (tendo, para isso que adquirir uma máquina extratora de leite, que não está acessível a toda a gente). Além disso, tem que ter condições de o fazer no seu local de trabalho, o que, infelizmente, não será a realidade na maioria dos casos. Isto é fonte de grande ansiedade, no seio das Famílias, numa altura em que deveriam estar focadas nos seus bebés”, conforme o texto da Iniciativa Legislativa.

Carina Pereira defende que todas as mulheres/famílias deveriam ter a capacidade de decisão quanto a seguir ou não a recomendação da Organização Mundial da Saúde, no que respeita à amamentação em exclusivo até aos 6 meses. “O que me faz confusão é que apenas quem tem dinheiro pode seguir esta orientação”, refere.

A não ser que a licença de maternidade fosse alargada para os 6 meses, em vez dos atuais 4. Foi o que propôs a autora do blog para mães, em 2016. Com a ajuda do Bloco de Esquerda e do PCP, a Petição chegou ao Parlamento. Mas não passou daí.

Carina, que requereu uma licença sem vencimento para poder amamentar o seu primeiro filho, não se conformou. E com um grupo de pessoas que partilham da mesma opinião – a de permitir à mulher/família optar pela amamentação em exclusivo -, criou uma Iniciativa, a qual conta com cerca de 16 mil assinaturas e precisa de mais 4 mil para chegar ao Parlamento.

Desta vez, sem cunho político, a Iniciativa conta com uma comissão representativa constituída por, além de Carina, duas médicas pediatras, dois enfermeiros, uma jurista, a autora do livro “Amamentar, a escolha natural para o seu bebé” e a coordenadora nacional da IBFAN (sigla inglesa para Rede Internacional de Grupos Pró-Alimentação Infantil). O objetivo é que a Iniciativa seja “votada por ela, mostrando ao Parlamento que esta continua a ser uma preocupação das famílias portuguesas”.

Como participar na Iniciativa?
Existem 3 formas diferentes de assinar a iniciativa:

Site do Parlamento: https://participacao.parlamento.pt/initiatives/22

Site Petição Pública: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=por6mesesdelicenca

Envio de email: [email protected]  – “Caso não queiram usar nenhuma das plataformas, podem enviar-me um email, que eu faço chegar um formulário que pode ser preenchido, e que será acrescentado ao ficheiro com todas as assinaturas a entregar em ficheiro”.

 

Do ponto de vista da Saúde Materno-Infantil, realça o texto da Iniciativa Legislativa “Alargamento da licença parental inicial”:

O aleitamento materno é um recurso natural de valor incalculável, porque não só promove a saúde, como previne a doença da mãe e da criança e poupa custos de saúde.
Os estudos feitos, ao longo das duas últimas décadas, têm demonstrado que nenhum comportamento relacionado com a saúde afeta de uma forma tão variada e marcante o futuro dos dois indivíduos envolvidos.
Em Portugal não existem até à data estudos que associem a amamentação a redução de gastos com a saúde, nem com a morbi/mortalidade. Mas a nível internacional os exemplo são numerosos:
– Estima-se que, se aumentássemos a duração da amamentação dos níveis atuais para apenas 12 meses em cada criança, nos países de rendimento económico elevado e para 2 anos nos países de médio e baixo rendimento salvar-se-iam mais 22 216 vidas por ano.
E porque seriam salvas todas estas vidas?
Pensando exclusivamente na mãe:
– Apenas com os números globais de amamentação que temos actualmente, e que são muito baixos, consegue prevenir-se 19 464 mortes anuais por cancro da mãe, comparando com um cenário em que nenhuma mulher amamentasse. Cada 12 meses de amamentação está associado a uma redução de 7% (95% CI 3 – 11) na incidência de cancro da mama invasivo. Para o cancro do ovário a redução é de 30% (95% CI 25 – 36) quando associada a períodos mais prolongados de amamentação.
Em relação às crianças:
– A amamentação está associada, consistentemente, com um melhor desempenho nos testes de inteligência em crianças e adolescentes, com um aumento de 3.4 (95% CI 2.3 – 4.6) pontos no quociente de inteligência. E os investigadores encontraram uma relação dose/efeito, atingida através de amamentações mais prolongadas. Este efeito na inteligência teve repercussões nos ganhos médios auferidos na adultícia, tendo sido esta consequência atribuída ao aumento da inteligência, com uma contribuição de 72%. Fazendo agora as contas a quanto perde um país, por ter pessoas menos inteligentes, encontramos um montante de 302 mil milhões de dólares anualmente ou 0.49% do rendimento nacional bruto mundial. As perdas nos países de baixo e médio rendimento, onde Portugal se insere, seriam 70.9 mil milhões, ou seja 0.39% do rendimento nacional bruto.
– A amamentação está relacionada com uma redução de 19% (95% CI 11 – 27) na incidência de leucemia infantil.
– Dar leite materno aos recém-nascidos, internados nos cuidados intensivos, reduz a fatura hospitalar em cerca de 23 mil euros por cada criança.
– Um aumento de 10% na amamentação exclusiva até aos 6 meses, ou o aumento da amamentação até 1 ou 2 anos (dependendo do país), traduzir-se-ia na redução dos custos de tratamento de doenças infantis comuns, de pelo menos 312 milhões de dólares nos EU, 7.8 milhões no Reino Unido e 1.8 milhões no Brasil (valores de 2012). A proteção contra a mortalidade e morbilidade, por doenças infeciosas (diarreia, otite, pneumonia, etc), prolonga-se para além do segundo ano de vida e previne metade das mortes causadas por infeções, entre os 6 e 23 meses de idade.
– Os custos de saúde nacionais americanos para quatro doenças infantis muito comuns, em crianças não amamentadas, foram estimados: diarreia 291.3 milhões, vírus respiratório sincicial 225 milhões, otite média 660 milhões.
– Cada casal, e no primeiro ano de vida, quando a mãe amamenta poupa aproximadamente 1 000 dólares em serviços de saúde.
– As mães que amamentam têm menos absentismo laboral e estão mais focadas no trabalho, porque os filhos adoecem menos.
– Em 2014 as vendas de leite artificial para lactentes foram de 44.8 mil milhões de dólares, e estima-se que em 2019 atinja os 70.6.
A posição de muitos profissionais de saúde e o tipo de propaganda agressiva das companhias que fabricam leite artificial, cujos lucros, como se pode ver, continuam a aumentar, levam a que os pais achem que não existem diferenças significativas entre ambos e que se trata, apenas, de uma escolha de estilo de vida e não uma decisão com consequências de saúde e económicas. Além disso, a amamentação é pensada como uma decisão individual, tendo a mulher como única responsável para o seu sucesso ou falha, ignorando o papel da sociedade no seu suporte e proteção.
Os políticos necessitam demonstrar que reconhecem que a promoção do aleitamento materno salva vidas e dinheiro, exercendo a sua autoridade ao remover as barreiras sociais e estruturais, que incapacitam as mulheres de amamentar. Os governos democráticos têm o dever de proteger e promover o bem-estar nas comunidades que os elegem, e isso inclui a amamentação. A legislação deve promover a manutenção do aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses e assegurar intervenções nos locais de trabalho que apoiem a amamentação.

 

Foto: @gobabygoblog

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