Cher, uma mulher por detrás do bar mais antigo da Ericeira

“Hoje sou o porto de abrigo da minha filha e netas”, Cher, 66 anos

“Sou de uma família muito pobrezinha. Mas nunca passei fome. Havia sempre uma tigela de sopa. Passei fome quando fui trabalhar como empregada interna, para uma casa de uma família muita rica em Cascais”, Cher, 66 anos, proprietária do bar mais antigo da Ericeira

“Nessa casa, quando chegava a minha vez de comer, já não havia sobras das refeições para mim. Comia então um papo-seco por dia sem fiambre. Não tinha dinheiro para fiambre”, Cher

 

O seu nome é Fernanda, mas todos a conhecem por Cher, graças a um grupo de clientes que olhou um dia para esta mulher e, sabendo da sua história de vida, achou por bem encontrar-lhe um nome artístico que fosse associado a coragem e ousadia feminina. Cher reuniu consensos. Até porque, chegaram à conclusão que havia também proximidade física entre Fernanda e Cher.

Cher é a mulher por detrás do bar mais antigo da Ericeira. Nem todos lhe conhecem a história. Mas há quem queira ouvi-la da boca da protagonista, quando cai a noite, e ficam os clientes à porta fechada.

Natural de Torres Vedras, nasceu numa família de seis irmãos, “muito pobrezinha, mas muito unida”. Por isso mesmo, custou-lhe muito quando foi obrigada a sair de casa e a procurar emprego como empregada interna. Não havia condições de continuar a estudar, muito embora o pai trabalhasse muito – na pesca e no campo. Cher tinha 12 anos quando tomou a seu cargo as várias tarefas de uma casa de Cascais: limpar, servir à mesa, cuidar do filho dos seus patrões. “Chorava todas as noites com saudades dos meus irmãos e dos meus pais”, recorda. “Nunca antes tinha passado fome. Mas nesta casa, quando chegava a hora da refeição, já não havia comida para mim. Restava-me comprar um papo-seco, mas comia-o sem nada dentro, porque não tinha dinheiro para fiambre ou manteiga. No final da semana, a minha irmã foi buscar-me e levou-me até à casa onde ela trabalhava. Os seus patrões perguntaram-me se eu queria lanchar. Nessa tarde, comi seis papo-secos com marmelada e seis copos de leite. A minha irmã mandou-me ir buscar as minhas coisas e informar os senhores de que não regressaria”, conta.

Quando a irmã casou, Cher substitui-a nessa casa: “limpava, arrumava e servia à mesa, mas os meus patrões levavam-me a passear, calçaram-me… eram excelentes pessoas”.

Cher acabou por casar, mas o novo ambiente da sua família contrastava com o respeito que sempre existiu na casa dos seus pais. O marido, alcoólico, tornava-se agressivo quando bebia: “eu sempre tive cabelos muito compridos. Recordo-me de o meu marido me agarrar pelos cabelos e eu andar de rojo pela casa com a minha bebé agarrada às minhas pernas”.

Veio a separação e, certo dia, o rapto da sua filha: “zangado, fugiu com ela. Sofri muito, deixei de comer… Até que um dia, um primo dele contou-me onde estava a minha filha e o meu ex-marido foi chamado a tribunal para me entregar a menina. Lá estava ela, toda suja. Parecia uma criança abandonada”.

Cher confessa que já sofreu muito: “Ele chegou a apontar-me uma caçadeira à cabeça. Depois pedia perdão, dizia que não voltava a acontecer. Era sempre assim. Mas não lhe guardo raiva. Ele morreu há semanas e a minha filha perguntou-me se haveria de o ir ver. Afinal de contas, é sua filha. Fui com ela. Ele viu-nos e disse: ‘por esta é que eu não esperava’.”

Quando voltou a casar, 12 anos depois de viverem juntos, Cher comprou com o marido este bar. Julgava que estava a endireitar a sua vida. Contudo, ele acabaria por morrer de doença prolongada e deixou-lhe 200 euros. “Era ele que administrava todas as nossas contas. Quando morreu, fui ao banco e não queria acreditar que só tínhamos 200 euros. Não sei o que fez ele ao dinheiro, mas era só o que havia”.

Com uma filha e uma neta para sustentar e apoiar, Cher não tinha opção. Pediu um empréstimo e “trabalhei, trabalhei, trabalhei tanto que consegui manter de pé este bar e ter as contas em dia”.

Atualmente, a proprietária do bar mais antigo da Ericeira (bar com 32 anos), sente que é o porto seguro da sua filha e das suas três netas (uma tem 20 anos, outra tem 11 e a mais nova tem 10). “Só peço a Deus que me continue a dar forças para lutar”.

"Hoje sou o porto de abrigo da minha filha e netas", Cher, 66 anos Cher-familia

As mulheres da família Cher

 

Fotos: Facebook Cher Neptuno

 

 

 

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