O Parlamento Europeu rejeitou quatro propostas sobre operações de busca e salvamento no Mediterrâneo aos migrantes que procuram chegar à Europa. Na passada quinta-feira, a proposta original, apresentada pela Comissão das Liberdades Cívicas, foi chumbada, com 290 votos contra, 288 a favor e 36 abstenções. Precisaria de mais três votos para passar no Parlamento Europeu. Entre os votos contra, três portugueses: Nuno Melo, Álvaro Amaro e José Manuel Fernandes.
É este o contexto da crónica de Dulce Machado, professora há 20 anos no ensino básico, e cuja missão de voluntariado em Moria, Grécia, em agosto passado, fê-la dedicar-se à causa dos direitos humanos.
Carta sobre a Vergonha, por Dulce Machado
Vergonhoso. Que políticas são estas que não protegem os seres humanos? Como é que alguém pode chumbar propostas ou resoluções que tenham o objetivo de salvar vidas? Não há resposta nem desculpa possível.
Durante o meu trabalho nos Campos de Refugiados de Elefsina e de Moria, na Grécia, tive acesso às histórias das travessias, dos botes, do medo. Fiz questão de repetir o caminho, por terra, que muitos dos refugiados fazem para fugir à guerra. E é tremendo, meus senhores. Recordo cada uma dessas histórias de cor, mas, reconheço, nunca serei capaz de as reproduzir com fidelidade. Porque estaria sempre muito aquém da dor que assisti em ambos os campos de refugiados.
O que estas propostas no Parlamento chumbam são os botes minúsculos que trazem, dentro de si, vidas. Vidas que são atiradas à morte. Cada voto contra no Parlamento remeteu-me para o Cemitério dos Coletes, o cemitério onde estive em Lesbos, de barcos e corpos amontoados, sem nome.
Cada voto contra no Parlamento é mais um colete no cemitério dos coletes. Com vista para um Mediterrâneo de sonhos perdidos, infâncias roubadas, lágrimas derramadas. Porque cada colete, não esqueçamos, foi uma vida.
Senhores deputados, senhores do Parlamento Europeu, até quando vão continuar a ignorar as vidas dos “outros” que são as nossas. Qual é o valor de uma vida? Meus senhores, que Europa solidária veta desumanamente propostas sobre a vida?