A carta é assinada pela Sociedade Portuguesa de Pediatria, pela Direção da Sociedade de Infeciologia Pediátrica da SPP e pela Direção do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos.
“O início deste ano escolar é um motivo de preocupação para pais, crianças, educadores, professores e profissionais de saúde, que procuram certezas num mundo em que as informações mudam rapidamente.
Sabemos hoje que, contrariamente à grande maioria das infeções víricas, a infeção pelo novo coronavirus SARS-CoV-2 tem causado doença menos grave em idade pediátrica do que no adulto. As crianças parecem ter menor incidência da doença e desenvolver sintomas ligeiros e transitórios, de evolução benigna, sendo os internamentos e as fatalidades excecionais. Apesar disso, os pais continuam a sentir angústia no regresso à escola.
A interrupção das atividades escolares e extra-escolares ditada pelo confinamento teve grande impacto na saúde das crianças, a nível da aprendizagem, da socialização e da saúde mental. As crianças, sobretudo as do 1o ciclo, sentiram insatisfação com as novas modalidades de ensino por videoconferência, dificuldades de concentração e na realização de tarefas, e saudades da escola e dos colegas. As dificuldades de acesso a meios informáticos veio acentuar ainda mais as diferenças nas crianças mais desfavorecidas. O apoio a crianças com necessidades educativas especiais foi escasso.
Crianças com doença crónica complexa ficaram privadas das diferentes terapias de que beneficiavam em ambiente escolar, o que contribuiu, em muitos casos, para a regressão da condição de base. A escola deixou de ser o espaço para brincar, processo essencial ao desenvolvimento infantil, e o espaço seguro, onde existe alimento e ternura, tão necessários em alguns casos. Foi exigido enorme esforço às famílias na conciliação entre o trabalho e a vida familiar, que não se poderá prolongar no tempo. São todas fortes razões para que se retome o ensino presencial.
A inquietação quanto ao ensino presencial deve-se, sobretudo, ao possível impacto da abertura das escolas na propagação da COVID-19 na comunidade. A informação existente sobre a carga viral nas crianças infetadas é escassa mas sugere que estas não sejam o grande veículo de transmissão da infeção SARS-CoV-2. Especificamente, os poucos estudos disponíveis sobre a transmissão da infeção na comunidade escolar, em países onde o ensino presencial foi retomado, indicam que os surtos escolares são raros e tendem a ocorrer sobretudo por transmissão entre os profissionais adultos, em zonas onde a transmissão na comunidade é elevada, não parecendo ser a transmissão criança a criança nem adulto a criança relevante na propagação de surtos. Embora seja fundamental manter vigilância, pois os dados podem vir a sofrer alterações com a reabertura total das escolas, até agora as crianças parecem ter menor probabilidade de contrair a infeção na escola do que na comunidade.
Assim, para proteção de todos, o mais importante continua a ser o comportamento responsável dos adultos, na escola mas também na comunidade, com cumprimento estrito das normas de distanciamento social físico e de higienização recomendadas, o isolamento precoce de casos sintomáticos e o rastreio rápido dos contactos.
A evidência sobre os potenciais benefícios do uso de máscaras por crianças na transmissão do novo coronavírus são ainda limitadas, mas os estudos que avaliaram a eficácia do uso de máscaras na prevenção de outras infeções apontam para que sejam menos eficazes nas crianças mais jovens, possivelmente pela menor adaptação à face, menor tolerância e uso inapropriado. A idade em que se preconiza o uso de máscaras na escola terá de ter em conta os novos dados que estão a surgir na literatura.
Assim, para que o ano escolar decorra sem necessidade de interrupções, deverão ser mantidas as medidas propostas que evitem o cruzamento desnecessário de grandes grupos de crianças mas, em cada grupo, dever-se-á assegurar normalidade nas relações entre crianças, não impondo medidas estritas que sejam impossíveis de cumprir, sobretudo pelas mais jovens. É essencial que se retomem as brincadeiras nos intervalos das aulas e que estes tenham uma duração adequada.
Finalmente, deve existir flexibilidade no cumprimento das normas, em cada momento e tendo em conta os dados locais de transmissão na comunidade. No início do ano escolar, para as crianças que vão contactar pela primeira vez com a escola, devem criar-se condições de segurança que permitam o acompanhamento de um familiar ao novo espaço, dando tempo à criação de vínculo afetivo.
Agosto de 2020
Direção da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP)
Direção da Sociedade de Infeciologia Pediátrica da SPP
Direção do Colégio de Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos