Margarida Salema Garção

“As crises podem servir de pontos finais ou de oportunidades de (re)nascer”, Margarida Salema Garção, Terapeuta de Casal e Familiar

Para muitos casais, o confinamento foi a gota de água (no terceiro trimestre de 2020, houve 3862 divórcios, mais 235 do que no mesmo período de 2019). Por outro lado, recebemos, no site julia.pt, testemunhos de quem aproveitou o confinamento para namorar. E nas redes sociais fala-se até em geração “quaranteens”, decorrente do possível baby boom da quarentena. O ponto de partida para uma conversa com a Terapeuta de Casal e Familiar Margarida Salema Garção.

Temos de falar? “Como Terapeuta, como Mãe, como Mulher, como Filha, há muito tempo que fantasio com a ideia de que ‘ter de falar’ possa ser sinónimo de ‘vamos resolver as coisas’ ou de ‘quero encontrar-me contigo’, e isso só pode ser, tendencialmente, bom!”, responde a autora do site Temos de Falar, um espaço dedicado à Terapia de Casal e Familiar.

Confinamento e relações: O que estava mal piorou e as relações saudáveis deram mais frutos – é uma conclusão possível?

Inevitavelmente, as crises podem servir de pontos finais ou de oportunidades de (re)nascer.

Diria, acima de tudo, que fomos obrigados a parar, a abrir mão a da rotina, a passar mais tempo uns com os outros…

Para quem tinha falta de tempo para se conhecer e para se olhar, pode ter sido apresentado a uma realidade nova e de construção de um tempo entusiasmante! Em que a criatividade abre espaço para voltarmos a conectar-nos connosco e com o outro, o que pode significar um novo fôlego para uma nova intimidade!

Para quem se foi servindo da rotina e da falta de tempo em comum como “desculpa” para adiar resoluções de problemas, ou tratar a fundo questões estruturais nas relações, pois claro, tudo se tornou agudo e, muitas vezes insuportável…

Filha de pais separados – do ponto de vista de quem conhece essa perspetiva e, de acordo com o que assiste no quotidiano de casais que se separaram, o que é que nunca deve “sobrar” para os filhos? 

O que nunca deve sobrar para os filhos é o peso de tudo isto. Se uma separação se dá com o empenho dos pais a resolverem a sua relação (agora de casal parental, ex-casal conjugal) mostrando aos filhos que todos se devem tratar bem, eles também vivem descansados. É muito pesado para um filho sentir pelo exemplo dos pais que não devia gostar tanto do pai ou da mãe como dantes, isto provoca uma luta eterna cheia de sofrimento à criança.

Os filhos vão sempre sentir um amor enorme pelo pai e mãe, por isso devemos sempre aceitar este amor como uma parte deles, e não tentar destruir isso.

Os pais devem pedir ajuda terapêutica para orientar a sua nova relação se precisarem, e contar com a família alargada e com amigos para desabafar, para os apoiarem e para serem rede de suporte. Quando os filhos estão envolvidos neste enredo, é inevitável que saiam magoados.

Os filhos podem usar esta fase para experienciar valores como o respeito pelo outro, perceber que se pode tratar bem o outro mesmo quando estamos magoados, e um sem fim de valores que vão levar para as suas relações pessoais quando crescerem. Da mesma forma, podem aprender a tratar mal, a dirigir a frustração para o outro, a incentivar a desconfiança, a questionar o tamanho do amor de um pai ou de uma mãe (quando eles próprios estiverem nestes papeis parentais).

Terapia de casal – a quem aconselha?

Precisamos de mudar padrões de comunicação, re-aprender a falar, aprender a gerir o conflito, tratar dores antigas, preparar uma fase difícil que aí vem… tudo isto são situações em que a terapia pode dar-nos as ferramentas que faltam!

Dependendo da fase de vida em que nos situamos, os desafios vão dominando as nossas relações – sejamos um casal recém-constituído, uma família com filhos pequenos, filhos adolescentes, um casal sem filhos, ou um pai com filhos fora do ninho, ou até um par de pais que tenta relacionar-se como casal parental!

Quando as nossas interações desenvolvem padrões e ciclos destrutivos, em que já não nos reconhecemos ou que nos levam ao afastamento, há que regressar à criação de vínculos seguros, que nos façam sentir família.

Somos obrigados a reinventar as nossas relações para que acompanhem as nossas evoluções e mudanças, e podemos contar com a terapia para facilitar essa construção. Por essa razão, a terapia de casal pode ainda ser aconselhada em casos de separação ou pós-separação.

Enquanto profissional que observa muitos casais, quais são os pontos em comum desses casais que jogam a favor da felicidade. Ou seja, se lhe pedíssemos uma receita – que os casais devem seguir para evitar ‘o ponto sem retorno’ – qual seria?

Sou uma eterna romântica e ponho sempre o amor no centro de tudo. Por muito que tenhamos dificuldade em demostrar o amor que sentimos, quando há amor por nós, pelo outro e pelo projeto a dois, acredito que é sempre possível resgatar uma relação.

Um dos fatores que me tem sido mais evidenciado como “fator de sucesso” é permitirmos e abraçarmos a mudança. Mudança e adaptação. Quanto mais quisermos crescer (mudar) um com o outro e abraçarmos as mudanças que a vida nos impõe, mas certo é que continuemos a caminhar juntos.

Os casais aparecem na terapia muitas vezes numa fase em que o ciclo de vida exige mudança de papéis, de rotinas ou de investimentos relacionais, e esses são os momentos em que é chave que queiramos o sucesso do outro e da nossa relação, sem medo da mudança!

E sempre, mas sempre, é mais forte quem pede ajuda: ao outro ou a um terapeuta, reconhecer que precisamos de ajuda diz-nos muito do valor que damos à nossa relação!

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