Nem todas as crianças do 1º ciclo regressaram ontem, 15 março, ao ensino presencial, conforme o plano de desconfinamento do Governo, que termina a 19 de abril com o ensino secundário e superior. É o caso do Miguel, 9 anos, e da Maria, 10 anos, irmãos e filhos de Lina Lourenço.
Desde o primeiro confinamento que não voltaram ao ensino presencial, tal como a irmã Sofia, 17 anos (ao todo são quatro irmãos). O facto de sofrerem de doenças crónicas levou Lina a apresentar requerimentos junto das escolas e, posteriormente, quando recusados pelos agrupamentos escolares, ao Ministério da Educação. Lina nunca se contentou com o “não” e, assim que rececionava uma resposta negativa, contrapunha com recursos e argumentos, justificando as faltas das crianças. “A dada altura, uma das escolas comunicou-me, certamente em retaliação, que enquanto não surgisse despacho, as professoras não iriam enviar trabalhos de casa aos meus filhos mais novos. Recebi a informação e esperei”.
Todos os processos acabaram por ser deferidos e os três filhos de Lina em idade escolar estão em ensino online. Os mais novos recebem tarefas diárias e têm aulas pontuais de apoio, síncronas. A mais velha “até subiu as notas. Antes tinha que acordar às 6h30 e apanhar quatro transportes – exatamente quatro só na ida, realça a mãe – para estar na escola às 8h. Agora tem mais tempo para descansar e estudar”.
Impacto do confinamento no bem-estar psicológico das crianças? “Como assim?”, interrompe Lina. “Os meus filhos ganharam mais tempo. A mais nova aprendeu a fazer bolos, eles jogam à bola, brincam ao monopólio com o pai e vão andar de cavalo quando as atividades reabrirem. Serão duas crianças por grupo ao ar live e não 30 em sala, como na escola”.
Lina está em teletrabalho e gere o quotidiano. A vantagem, conta, é ter preparado o confinamento com antecipação: “eu não tive que fazer grandes adaptações de véspera. Simplesmente, sempre eduquei os meus filhos para a autonomia. Eles têm rotinas: aprenderam a fazer os seus TPC sozinhos mal chegavam a casa, deixando de parte apenas os exercícios que não compreendiam e que careciam da minha ajuda”.
Para Lina, esta situação é a mais segura e ideal em tempos de pandemia: “os meus pais vivem connosco e são doentes oncológicos. Temos que reduzir os riscos e, atualmente, considero que a escola não é um local isento de riscos. Sinto-me bem com a minha decisão porque consegui proteger os meus. Estamos em paz.”
Há muitos mais pais e mães com a mesma opinião. Fazem parte do grupo de facebook: “Contra a obrigatoriedade das aulas presenciais durante a pandemia”. O grupo tem 9,4 mil membros e defende o direito de opção pelas aulas online, “respeitando assim quem precisa e deseja as aulas presenciais. Conseguindo, assim, proteger os nossos e diminuir o número de alunos em contexto escolar, tornando assim tudo mais seguro para todos. Sem apoios do estado”, explica.
Uma das mãe do grupo relata: “Ontem senti-me a melhor e a pior mãe do mundo por não mandar minha filha de cinco anos para escola. (…) A nossa decisão foi bem pensada, analisada e nada de ânimo leve. Estamos cientes de que, mais do que nunca, ela precisa de estar com outros adultos e crianças da mesma idade. Mas, como estão as situações atuais, as decisões do governo e eu estando em casa, prefiro mantê-la em segurança. (…) Entre eu e o pai, nas suas horas livres, dividimo-nos entre jogos e brincadeiras em casa e no quintal”.
Decisões. Em tempos de pandemia. E Lina Lourenço garante estar a preparar a sua próxima decisão: “se os números de contágios e mortes se mantiverem, em setembro, os meus filhos também se manterão em casa”.