A Sofia tem 9 anos. E como a maioria das meninas da sua idade, gostava de usar cabelo comprido. Até um dia ter-se cruzado com uma criança de lenço colorido na cabeça que parecia esconder uma evidente falta de cabelo. Angustiada com a imagem, Sofia questionou a mãe, que lhe terá entregue pela primeira vez a palavra cancro. “Eu expliquei-lhe que, por motivos de doença e de tratamentos agressivos, há meninas que perdem o seu cabelo”, recorda a mãe. Sofia manteve-se pensativa e, nesse mesmo dia, comunicou à mãe que iria cortar o cabelo curto. Tencionava oferecê-lo às meninas doentes sem cabelo. “Eu fiquei chocada, confesso. Não estava preparada. Mas percebi que a decisão estava tomada e comprometi-me a ajudá-la”, lembra. Mariana acompanhou-a ao cabeleireiro e Sofia nunca vacilou.
“Perguntava-me: já encontraste uma menina que vai ficar feliz com o meu cabelo? Na verdade, contactei o IPO mas não aceitavam cabelo. Em Portugal não consegui localizar nenhuma entidade que aceitasse cabelo, com muita pena, minha e da Sofia. Encontrei a Little Princess Trust, em Inglaterra. “A Little Princess Trust é uma organização que oferece, gratuitamente, cabelo verdadeiro a crianças e jovens que sofrem de cancro e dos efeitos devastadores da queda de cabelo. Também financiam estudos pioneiros sobre cancros infantis e que possam ajudar a salvar vidas”, lê-se no site desta entidade.
Mariana entrou em contacto com a equipa e, seguindo todo o processo, enviou o cabelo da Sofia. Sofia não se arrepende por um momento da boa ação. “A minha filha sempre foi uma menina muito preocupada com os meninos ditos ‘diferentes’. Talvez por ter um irmão com epilepsia que precisa de cuidados. Talvez por ter assistido na sua infância àquilo que nunca deveria ter assistido, a violência doméstica (a mãe foi vítima de violência doméstica e, por medida judicial, o pai usa pulseira eletrónica). Recentemente, um menino com autismo foi convidado a sair da escola que Sofia frequenta e a minha filha ainda não se conformou. Pergunta-me por que tratam os meninos e as meninas de forma diferente”. Mariana também não conhece a resposta que atenue as dúvidas e inquietações da pequena Sofia. O mundo deveria ser das Sofias.
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