Inês de Castro, Isabel Stilwell

“Atrai-nos sempre a força de um amor que supera proibições”, Isabel Stilwell

Tenho admiração por quem escreve romances históricos. Pela exigência e até pela coragem que tem quem procura recuperar a História no tempo. A Isabel voltou a ousar na escrita. Desta vez, com um nome que marca o país com um amor proibido. E, como diz a autora, “atrai-nos sempre a força de um amor que supera proibições”. Mas Inês de Castro é mais que os encontros românticos nos jardins da Quinta das Lágrimas. É a espia. É a rainha de Portugal. Entre outras vidas que se cruzam neste livro. A ler!

Porquê Inês de Castro?

Porque é um desafio ir para além do mito, procurando encontrar a pessoa, as pessoas de carne e osso que protagonizaram histórias imortais. Quando escrevi sobre Isabel de Aragão, a rainha santa e avó de D. Pedro percebi, pela primeira vez, que Inês foi criada pelo pior inimigo de Afonso IV e pressenti que a semente da tragédia tinha sido lançada à terra muitos anos antes do que aconteceu em Coimbra.

A história de amor entre Pedro e Inês foi abordada por vários poetas, tem apaixonado muitas pessoas. O que mais a atrai nesta história de amor, a si, Isabel?

A beleza dos túmulos de Alcobaça, o “Até ao fim do mundo” inscrito na pedra inflama o coração mais empedernido. E atrai-nos sempre a força de um amor que supera proibições e obstáculos, mas confesso-lhe, Júlia, que o que mais me interessou foi conhecer melhor estes dois personagens, perceber porque é que D. Pedro nunca assumiu a sua relação amorosa perante o pai, apesar de ser viúvo e livre, e o que moveu Inês a conformar-se, se é que se conformou.

É verdade que passou horas no Mosteiro de Alcobaça? Eram momentos inspiradores? Usava bloco de notas?

Passei horas a “ler” os túmulos, tanto presencialmente — a beleza sóbria daquele mosteiro é de tirar o fôlego — como a estudar as fotografias que tirei, e através do Google arts que permite ampliar cada detalhe (https://artsandculture.google.com/exhibit/bQIintqAH-0SLg?hl=pt-PT).

Aquelas arcas tumulares e os dois jacentes são os “documento” contemporâneos mais ricos que possuímos, porque a sua construção foi imaginada, planeada, e executada sob supervisão de D. Pedro. É o relato de tudo o que se passou visto pelos seus olhos. Aquela é a imagem de Inês que quer que fique para memória futura: aliás, o livro começa pela descrição do rosto da rainha póstuma, do seu vestido de botõezinhos, da mão delgada enluvada, enquanto a outra de dedos esguios segura a luva, o colar comprido. É uma verdadeira selfie. Mas é no túmulo de D. Pedro que encontramos a sua autobiografia, contada quase como numa banda desenhada — podia falar horas sobre o que acredito ali ver. Não tenho jeito para desenho, mas gosto muito de fazer desenhos do que vou vendo, e desenhar ajuda-me a decompor e memorizar os pormenores que quero usar quando começar a escrever.

Para este livro, também contou com a ajuda de um historiador?

Desta vez, só pedi a ajuda de um historiador no momento da revisão histórica. O olhar atento do Ricardo Raimundo ajudou, entre muita coisa, a evitar alguns anacronismos que escapam sempre.

A Isabel conta que o rei Afonso IV mandou fechar os castelos e tinha atiradores para disparar a quem se atrevesse a entrar, impedindo assim que D. Pedro visitasse Inês. Inês estava mesmo isolada….

A informação sobre a vida comum de Inês e Pedro é muito fragmentada, com poucas certezas fundamentadas. Mas a tradição mantém que Inês terá ficado num paço próximo do paço de Atouguia da Baleia, em Serra d´El Rei, provavelmente um pequeno paço real que existiu no Moledo, e também naquela que é agora a Quinta do Furadouro, em Olho Marinho. Lugares descritos como distantes das estradas mais percorridas pela corte, mantendo assim Inês “escondida” de Afonso IV que, tanto quanto nos conta Fernão Lopes, a tinha exilado em Castela. Estávamos nos piores anos da peste negra que dizimava populações inteiras, e o rei ordenou que as povoações fechassem as portas, proibindo saídas ou entradas, e que se empregassem atiradores com ordens para matar quem transgredisse. Santarém, onde a corte se refugiou e onde morreu Constança Manuel, mulher de D. Pedro, não era exceção. Seguindo a linha da verosimilhança, ficcionei a proibição temporária de encontro entre ambos e que servia a D. Pedro de pretexto ideal num momento em que fazia o luto pela mulher legitima.

Como foi o processo de escrita deste livro? As etapas mais empolgantes e mais angustiantes? Porque a escrita tem destas, especialmente quando se escreve durante a pandemia…

Os confinamentos permitiram-me um ritmo de trabalho muito mais intenso e contínuo do que aquele que é possível quando escrever se cruza com mil outras exigências e, nesse sentido, quase se aproximou daquele ideal com que sonhava há anos: a vida dos escritores nos filmes, com 24 horas sobre 24 horas só para si, entrecortados apenas por uns passeios com um cão lindo, numa praia deserta. Mas, é claro, que houve altos e baixos, momentos em que tentação de carregar no botão do delete era enorme, e outros de eureka.

Senti falta de ir aos lugares com a mesma liberdade de antigamente, mas em contrapartida, tive algumas visitas guiadas únicas a palácios e castelos que, normalmente estão demasiado cheios de gente para os podermos apreciar na sua verdadeira grandeza. Mas acredito que o facto de estar a viver uma pandemia enquanto escrevia sobre outra, enquanto lia sobre o terror daquele “mal” invisível que colhia vidas sem que se percebesse nem porquê, nem como, sobre um tempo de máscaras, permitiu-me não só colocar-me no passado, como me ajudou a entender o presente. E a agarrar-me à certeza de que a humanidade consegue sempre reinventar-se.

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