Mário Cordeiro - pediatra

“É altura de acabar com a «cena» de : «O Manel está com covid, vai a turma toda para casa»”, pediatra Mário Cordeiro

Dissipar de vez o ruído!
Opinião do pediatra Mário Cordeiro

Muito se tem dito e escrito sobre a vacinação anti-COVID nas crianças dos 5 aos 11 anos. Num assunto técnico (e apenas político quanto à decisão e timing), alguns organismos corporativos não se coíbem de instalar ruído e contribuir para aumentar a confusão entre os pais e cidadãos, como a Ordem dos Médicos ou a Ordem dos Enfermeiros (esta, então, nem se compreende porque opina sobre um assunto que não é da sua competência. Enfermeiros, por muito que devam ser admirados, não são médicos nem cientistas de laboratório!). Politizou-se e, pior, partidarizou-se a questão. A mal das crianças.

Já dei muitas vezes a minha opinião: sou a favor da vacinação. «Sem espinhas». Por um lado, porque, apesar de o número de casos «moderados» ou «graves» nas crianças não serem frequentes, eles existem e podem vir a determinar internamentos e lesões mais graves, e prolongar-se pelo «long-COVID syndrome» que se manifesta por episódios ondulatórios de cansaço, falta de memória, etc.

Depois, porque as crianças são, neste momento, as principais transmissoras, o que era de supor uma vez que o «muro» tem sido construído com a população adulta e a excelente taxa de vacinação a que os portugueses sempre nos habituaram…, mas ainda há brechas que importa colmatar, até para permitir às crianças conviverem mais e com normalidade. Sendo verdade que o vírus pode colonizar um vacinado, também é verdade que a capacidade de replicação é muito pequena e a de transmissão de enorme carga viral idem, e as crianças podem e devem estar com os mais velhos e com as pessoas doentes, sendo que estas, por mais doses que façam, podem não desenvolver uma imunidade adequada, dado que têm as suas funções orgânicas, entre as quais o sistema imunitário, muito depauperadas.

Finalmente, é altura de acabar com a «cena» de : «O Manel está com covid, vai a turma toda para casa». Se o Manel está com covid e os outros estão vacinados, só serão testados se tiverem sintomas, e só irão para casa se acusarem positivo para covid (ou estiverem doentes, como já acontecia antes com qualquer doença). A disrupção escolar que já atingiu dois anos letivos não pode continuar, sob pena de a aprendizagem académica, social e psicológica vir a sofrer traumas indeléveis.

Os efeitos secundários da vacina que alguns mencionam, como as pericardites e miocardites, não são maiores do que na população em geral, só que alguns são registados (por estarem associados à vacinação) e os «comuns» não, ou andam «tresmalhados» e não se sabe da sua totalidade. Finalmente, é altura de a DGS vir a terreno dizer, «preto no branco», que a vacina não causa infertilidade futura nas meninas ou outros efeitos secundários propalados pelos «anti-vax» nas redes sociais. Basta de mentiras, muitas vezes apoiadas através do silêncio ou conivência das tais «vozes avulsas» com agendas próprias, como as Ordens ou o Conselho de Ética.

A vacina não foi inventada ontem num qualquer vão de escada. A técnica «m-RNA» já existia há muito e é como se fosse um aeroporto já construído à espera que chegasse um avião adequado: esse «avião» é o coronavírus. A atual tecnologia e a cooperação entre países e laboratórios permitiu não se perder tempo.

Sabemos que, especialmente com a variante ómicron, estar vacinado não é garantia absoluta de não poder contrair o vírus (como, aliás, ter tido já a doença). Todavia, a infecciosidade e a gravidade são francamente menores, o que beneficia o próprio, os outros e diminui a sobrecarga sobre os serviços de saúde. Creio que com esta fase, do qual já demos um importante passo neste fim-de-semana, tal como por exemplo em Espanha, continuaremos a ser líderes na vacinação e na luta contra a pandemia. Quem deseja o contrário?

19 de janeiro de 2021

Mário Cordeiro*

*O pediatra Mário Cordeiro é professor aposentado de pediatria e de saúde pública da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa. Foi presidente da Secção de Pediatria Social e Comunitária e da European Society for Social Paediatrics, fundador e presidente da Associação para a Promoção da Segurança Infantil e de muitas outras organizações relacionadas com a promoção da saúde e dos direitos das crianças e adolescentes. Dirigiu o Observatório Nacional de Saúde. É membro da Academia das Letras e das Artes e autor de vários bestsellers como O Grande Livro do BebéO Livro da Criança ou O Grande Livro do Adolescente.

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