Tânia Varela - médica Medicina Paliativa

“Tenho doentes que estão a morrer em casa sem uma cama articulada porque não têm 30 euros para o transporte. As pessoas estão a morrer muito mal, sem qualidade”, Tânia Varela, Medicina Paliativa

O que leva uma médica a interessar-se pelo “fim da linha” do paciente? Primeira pergunta para Tânia Varela, uma das poucas médicas a especializar-se, no país, em Medicina Paliativa (apenas há 51 médicas em Portugal com esta competência). Especialista em Medicina Geral e Familiar, e com mestrado em cuidados paliativos, decidiu fazer estágios nacionais e internacionais em Medicina Paliativa na sequência da sua experiência num lar de idosos. “É preciso ter em conta as características desta população de idade avançada e com comorbilidades associadas para oferecer os cuidados de que necessitam para uma melhor qualidade de vida”, explica a médica.

É esta a grande aposta da Medicina Paliativa: “melhorar a qualidade de vida das pessoas até ao momento da sua morte”. Medicina Paliativa não é segurar a mão do doente, desmistifica a especialista Tânia Varela. “A Medicina Paliativa tem evidência científica. Recorrendo à ciência, conseguimos melhorar a qualidade de vida dos doentes. Na Medicina Paliativa, a aposta total incide na qualidade de vida. Acontece que o controlo da sintomatologia pode permitir com que a pessoa viva mais tempo. Mas o nosso intuito é que os doentes vivam o melhor possível. E é possível fazê-lo, com técnicos diferenciados e qualificados nesta área”, realça a médica Tânia Varela.

Os técnicos são, contudo, poucos, tal como os recursos. E as unidades de Medicina Paliativa, como aquela que a médica ajudou a criar em Cascais (equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos) há precisamente três anos, têm filas enormes de espera. “Temos doentes que acabam por falecer antes de conseguirmos dar-lhes apoio. Além disso, os recursos de que dispomos permitem um horário de funcionamento muito limitado, quando as necessidades destes doentes são constantes. Seriam necessárias equipas disponíveis todos os dias da semana, 24 horas por dia”, defende.

A médica refere que, ao contrário da saúde materno-infantil, “que é atualmente excelente” em Portugal, ainda há muito por fazer na Medicina Paliativa. “As pessoas estão a morrer muito mal. Estamos a esquecer-nos de que temos uma população envelhecida e que a maioria de nós irá sofrer uma doença progressiva, avançada e incurável. Existe alguma vontade política no sentido de melhorar esta área. Mas é insuficiente. Atualmente, temos a ’10º linha’ de quimioterapia, o que permite às pessoas viverem mais, acabando, porém, por chegarem ao fim da sua vida, muito mutiladas. Investimos muito na cura mas pouco na paliação. Como é que podemos reclamar este direito, o direito  de ter uma melhor qualidade de vida no leito da morte? Antes de discutir temas como a eutanásia, importa discutir isto. Importa discutir por que que é tudo complicado nesta fase da vida. Eu tenho um doente que está a morrer em casa, sem uma cama articulada, porque não tem 30 euros para o transporte. E os cuidadores? Como podem os cuidadores serem cuidadores com uma pensão tão baixa e um estatuto com tanta burocracia? As pessoas estão a nascer com qualidade mas morrem sem qualidade”, alerta a médica.

O J. é uma das poucas exceções. Começou a ser acompanhado em casa pela equipa comunitária de suporte em cuidados paliativos de Cascais. A equipa deparou-se com um homem de 50 anos, fechado dia e noite num quarto escuro, com dores difíceis de suportar e um diagnóstico reservado: um mês de vida. A equipa passou a prestar os cuidados necessários para uma melhor qualidade de vida, que passa por, entre outras medidas, controlar a sintomatologia com fármacos. O J. passou a sair para beber um café com os amigos, libertando também um pouco a cuidadora, a sua mãe. O J. celebrou um Natal antecipado porque teme não chegar até lá. “Mas passaram quatro meses. Não podemos afirmar nem garantir que a Medicina Paliativa aumentou x tempo de vida. Mas a Medicina Paliativa melhorou a qualidade de vida deste doente”, explica a médica.

Em Portugal estima-se que cerca de 80% das pessoas não tenham acesso a cuidados paliativos quando necessitam. Estima-se que, dos 70 mil a 85 mil portugueses a necessitar de cuidados paliativos (dados de 2017), apenas 12 mil terão recebido este tipo de cuidados.

Foto: Ordem dos Médicos

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