Terapia de casal

Terapia de Casal: Entrevista a Inês Franco Alexandre

Segundo a terapeuta de casais Inês Franco Alexandre, as redes sociais são um dos temas mais frequentes no seu gabinete de consulta. Nesta entrevista, a especialista identifica ainda os sinais que podem inviabilizar uma relação e explica como ultrapassar uma traição.

Terapia de casal: quando, ou em que circunstâncias, devem os casais procurar este apoio?

Qualquer casal pode procurar este apoio, e as circunstâncias são variáveis, dependendo também dos objetivos. Normalmente, os casais procuram este tipo de apoio durante uma crise ou na sequência de um período de crise. Um casal, como uma pessoa, sofre várias transformações ao longo do tempo. Existem fases consideradas normativas (por exemplo, a fase do namoro e da paixão inicial, o nascimento do primeiro filho, a saída dos filhos de casa) e fases ou crises que estão relacionadas com outros fatores (por exemplo, o desemprego, problemas económicos, perda de alguém significativo). Em ambos os casos, muitas vezes geram-se dificuldades na dinâmica do casal que causam muito mal-estar e que podem ser difíceis de ultrapassar sem ajuda. Nestas alturas, recorrer a este tipo de apoio torna-se particularmente importante.
No entanto, existem também casos em que ambos os elementos se sentem bem, e em que não estão a passar por uma fase particularmente má, mas em que surge a vontade de explorar mais as potencialidades do casal: quem são enquanto casal, como podem melhorar algumas coisas, como podem crescer. Torna-se uma abordagem mais preventiva. Não são muitos os casos que vêm nestas condições, mas revela-se interessante e benéfico.

A ideia que se tem de terapia de casal é que se destina a salvar relacionamentos. Mas pode às vezes esta procura ser efetuada tarde demais?

Quando o pedido de ajuda inicial vem sob a forma de “ajude-me a salvar este casamento”, muitas vezes isto significa que, de facto, ambos deixaram que os problemas ganhassem uma dimensão que pode tornar difícil trabalhar o casal. Nestes momentos, há pouca esperança, pouca energia para reinvestir no casal e, por vezes, duas pessoas bastante desconectadas. Nestes casos, o que faço inicialmente é propiciar um ambiente de esperança e entender se é possível, para ambos, investirem. Para mim, enquanto terapeuta, torna-se imprescindível que ambos os elementos queiram a relação e investir a sua energia e o seu amor nela, caso contrário é um trabalho pouco efetivo.

Quais os principais sinais de alerta de que as coisas não vão bem?

Existem alguns sinais que nos podem ajudar a identificar um momento de crise ou de dificuldade. Há sinais que têm que ver com o aumento de comportamentos ou de sensações negativas. Por exemplo, o aumento na frequência e/ou na intensidade dos conflitos, ou a dificuldade na sua reparação, a tensão permanente, a dificuldade de falar sobre alguns assuntos importantes, a sensação de ser incompreendido ou desprezado, a zanga. No entanto, pode haver sinais que não são tão evidentes mas que também são significativos: a sensação de desconexão entre as duas pessoas, ou a falta de partilha emocional; a falta de momentos alegres a dois; a escassez de interações positivas, de elogios, de admiração e de cumplicidade; a falta de projetos e de objetivos comuns. Por serem menos evidentes, ou por reparamos menos nestes últimos sinais, por vezes eles ganham uma dimensão que pode inviabilizar um processo de recuperação, ou torná-lo muito mais difícil.

O que aprendem os casais na terapia de casal?

Neste tipo de terapia, normalmente há um processo de redescoberta do casal, que não se centra apenas nos problemas atuais que me trazem e no encontro das soluções que são mais adequadas àquelas duas pessoas, mas também de redescoberta das suas forças, das suas características positivas enquanto casal e enquanto indivíduos. Durante o processo, pode haver uma aprendizagem de formas de comunicação mais efetivas, para que ambos se sintam mais ouvidos e mais compreendidos, de estratégias de gestão de conflito, de estratégias de distribuição das tarefas, para nomear alguns dos temas que podem ser trabalhados. No entanto, acho que verdadeiramente importante em terapia é poder haver um clima que propicie a (re)descoberta de nós e daquele de quem já tanto gostámos, com quem já nos sentimos tão bem. Poder olhar para o outro de novo com amor e curiosidade, entender de onde vem, quais são os seus modelos de atuação em relação, e de que forma se pode construir um novo modelo de relação, em que ambos se sintam ouvidos e respeitados. Isto tudo acontece à volta dos mais diversos conteúdos, mas acredito que é a aprendizagem deste processo, desta nova forma de olhar para si, para o outro e para a relação, que é o essencial.

De acordo com a sua experiência, quais as queixas mais frequentes?

Julgo que os problemas que são apresentados em terapia, seja ela individual ou de casal, estão sempre relacionados com as épocas, na medida em que é em sociedade, em interação, que nos definimos. Nascemos e vivemos num contexto específico, com regras específicas de interação, e isso naturalmente também nos define a nós, à forma como olhamos o outro, àquilo que esperamos da vida e do outro de uma forma geral. Naturalmente que isto também se passa na vida de casal. Como exemplo, um dos temas mais atuais em terapia de casal tem que ver com a internet e as redes sociais e com a gestão da privacidade. O surgimento das redes sociais fez-nos olhar para os limites entre o que é público e privado de uma forma diferente, e isto afeta muito as relações de casal: com quem se fala, durante quanto tempo, sobre o quê, quanto tempo se despende com a internet, quais os limites para que alguém se sinta traído, ou excluído, ou como não sendo uma prioridade para o outro. Os temas não são novos, mas os contornos e a forma como isto é vivido são seguramente diferentes de uma altura em que não havia este contacto permanente com o que é exterior à família. Do mesmo modo, os papéis do masculino e do feminino têm mudado muito nas últimas décadas, com um grande impacto nas questões de poder e gestão da vida quotidiana, o que levanta questões que há 20 anos não seriam relevantes, ou não seriam vividas da mesma forma. Outro exemplo é o facto de surgirem cada vez mais casais de homossexuais a pedir terapia de casal, o que também é fruto de mudanças culturais.

Hoje em dia, as queixas mais usuais que me surgem em consultório têm que ver com dificuldades na gestão e reparação conflitos, muitas vezes violentos (física ou psicologicamente), ou com a ausência de contacto ou de partilha (o que os casais denominam de “não comunicação”). O trabalho intenso do dia a dia, que pouco propicia o encontro, e a crise económica, que fez aumentar exponencialmente o número de clientes desempregados, são grandes propiciadores de problemas conjugais, porque desencadeiam não só preocupações financeiras, mas também problemas sobre o valor-próprio, de autoestima, de insegurança, alterando as dinâmicas familiares. Outra coisa que noto cada vez mais é que, como tudo na vida é muito rápido, existe muitas vezes pouco tempo e pouca disponibilidade para desfrutar verdadeiramente do outro: para conhecê-lo profundamente, para brincar, para viver cada fase demoradamente. O conhecimento mútuo (do que gosta, com o que sonha, como era antes, etc.), está provado, é uma das grandes forças de uma relação.

Como se ultrapassa uma traição? Como pode a terapia de casal ajudar?

A forma de ultrapassar uma traição é muito diferente entre casais. Não tive dois casais em consultório com os quais seguisse exatamente os mesmos passos, e um dos papéis que julgo que o terapeuta tem será o de entender de que precisa aquele casal.

No entanto, a minha experiência também diz que há alguns elementos que se repetem neste tipo de processo para que haja o restabelecimento de uma relação próxima e de confiança. Por um lado, é importante haver um espaço seguro em que se pode falar sobre o assunto − se falar constituir uma necessidade para alguma das pessoas. Em segundo lugar, parece-me importante haver uma autorresponsabilização do elemento que foi infiel, no sentido de entender que o seu comportamento causa, ou causou, dor no outro. Muitas vezes, há um sentimento de culpa que pode ser tão imobilizador que a pessoa se recusa a falar sobre isso ou desvaloriza o assunto, o que pode ser sentido pelo outro como a sua dor não sendo legítima. Por outro lado, também é importante que haja disponibilidade real da pessoa que foi traída para ouvir o outro e para olhar para a sua perspetiva (o que não significa desresponsabilizá-lo). Por fim, há que estabelecer uma nova relação de confiança.

É importante que o recontar dessa história, dessa crise, e da forma como a ultrapassam, seja feito a dois. Ou seja, que haja um entendimento comum do que aconteceu e de como conseguiram ultrapassar esse momento. Por isso também pode ser tão importante fazê-lo com ajuda. Além disso, o espaço terapêutico propicia a responsabilização mas não o julgamento ou a culpabilização, que são tantas vezes vividos pelos casais nestas situações e que os fazem prender-se e bloquear-se na zanga e na culpa.

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