João Miranda não era o único a sentir-se incomodado com o assédio constante dos comerciais do quiosque de um banco no shopping. “Posso apresentar-lhe as vantagens do nosso cartão de crédito?” Às primeiras abordagens, João lá ia respondendo com um redondo, mas educado, ‘não’, passando depois a acenar com a cabeça até optar pela técnica da indiferença, resultado do cansaço perante as múltiplas tentativas de explicar que não estava interessado em adquirir um cartão bancário.
Um dia, porém, o senhor do costume aproximou-se com um discurso diferente: “Hoje não quero falar-lhe do cartão de crédito.” João estranhou, mas concordou em dar uma oportunidade.
Manuel, o ‘chato do costume’, tinha reconhecido “O Miranda”, o humorista que o fazia rir nos serões do Levanta-te e Ri e que começava sempre as atuações com “a minha mãe está ali fora à espera”.
Manuel era, afinal, um bom tipo, bom conversador e com o gosto pelo humor em comum com João. Voltaram a encontrar-se no centro comercial, na zona da restauração, e até começaram a almoçar juntos. Durante uns tempos, João Miranda ficou à espera de que, no meio de um tema qualquer, surgisse a despropósito um take do cartão de crédito. Nunca aconteceu. João foi esquecendo o ‘senhor do Citibank’.
E o ‘senhor do Citibank’ passou a ser o Manuel. O Manuel é atualmente um daqueles melhores amigos que se contam pelos dedos de uma só mão.
E já lá vão quase 10 anos! “Quando preciso de alguma coisa, o Manuel está lá.” E vice-versa. Qualquer um deles, por exemplo, abdica de uma folga para ajudar o outro nas mudanças de casa − mesmo com móveis pesadíssimos…
E ambos sabem que podem contar com o amigo. Mesmo se for preciso levar um familiar ao hospital, como já tem acontecido. Ou falar daquele assunto que o anda a preocupar.
Os amigos são para as ocasiões. E estão ao virar da esquina… num quiosque de centro comercial.
