Luísa tem 54 anos e é enfermeira. Assina-me os emails por “Luisa Mãe”. É também uma mãe a triplicar. É mãe de Miguel, que tem 34 anos. Mas também é mãe de Alex, de 23, e de Xico, de 21.
Mas não é pelo número de filhos que digo que Luísa tem encargos maiores. Alex e Xico têm ambos autismo.
Tudo começou de uma forma diferente, mas gradual. Alex, mais velho, “foi perdendo gradualmente aquisições que já tinha, começou a isolar-se, quase não sorria, deixou de comer sozinho”, conta Luísa. Chegou ao ponto em que voltou a precisar de usar fraldas e deixou progressivamente de falar quando tinha dois anos.
Xico pareceu ter algumas dificuldades a aprender. Esta lentidão no desenvolvimento levou a que só conseguisse dizer palavras a partir dos dois anos, “e era muito ‘espanholado’, só nós é que o entendíamos”.
“Nele, tudo acontecia mais tarde do que o esperado”, explica Luísa.
O diagnóstico a Alex foi declarado numa consulta de Neurologia Pediátrica no Hospital Dona Estefânia. “O médico disse-nos: Ele é autista, o prognóstico é péssimo, vai ser um deficiente profundo e provavelmente vai ter de viver numa instituição.” Caiu-lhe o mundo aos pés: “Senti-me fora de pé e sem saber nadar.”
Já com Xico foi uma situação mais simples, apenas uma confirmação de uma suspeita. Aos quatro anos, numa consulta de Desenvolvimento e Autismo em Coimbra. Foi um processo gradual. “Deram-nos tempo para sermos nós a perceber que também com ele havia algum problema.”
O dia a dia é desafiante, para dizer o mínimo,
mas Luísa acredita na força do amor: “Vou-me adaptando todos os dias. É um desafio, e só se consegue com amor. Amor, muito amor, e muita formação, ao longo de toda a vida. Para estar mais bem preparada para os desafios constantes. E capacidade de aceitação e fé”, diz-me.
Apesar de Alex e Xico já terem mais de 20 anos de idade, para eles os desafios continuam a ser os mesmos desde que eram pequenos. Enfermeira, Luísa defende que a formação é dos fatores mais importantes, especialmente para permitir melhores práticas de cuidados. E “contribui para que eles tenham a melhor educação, que os ajude a serem pessoas mais adaptadas, mais autónomas e sobretudo que experimentem momentos de felicidade”.
“Quem, e como, cuidará deles?”
A preocupação que assombra Luísa de vez em quando é a incerteza quanto ao futuro, mas nada que a impeça de batalhar e de olhar em frente. “Como será quando eu não existir? Quem, e como, cuidará deles? Atualmente não tenho soluções que me satisfaçam e tranquilizem em relação ao futuro, mas, como diz o poeta, o caminho faz-se caminhando.”
Ainda assim, Luísa equipara o estilo de vida dos filhos a um slogan que ouviu no Brasil: Nem tão diferentes, nem tão iguais a si. “São pessoas em tudo iguais a nós por fora, mas muito diferentes de nós por dentro”, explica, “e essa diferença manifesta-se especialmente nas áreas da comunicação, da relação com os outros, e nos comportamentos que têm”.
Vacinas? Havia lugar para dúvidas? Diz que sim.
Luísa fala também do movimento antivacinação, que se baseia numa corrente de opinião dos anos 90 que associava a toma de vacinas (VASPR) ao surgimento do autismo.
Recentemente, uma adolescente faleceu com sarampo por essa falta de vacinação, algo que Luísa, enquanto profissional de medicina, não compreende. “Hoje, esse é um facto ultrapassado e todos sabemos que os resultados do estudo foram falseados.” Ainda assim, as dúvidas assaltaram-na na devida altura. “Antes de lhe dar cada dose, questionei-me algumas vezes: será que é verdade? Será que vão piorar?”
A resposta foi racional, e encontrou-a dentro de si, do seu raciocínio, e da sua experiência pessoal enquanto mãe. “Atribuir a causa do autismo a uma vacina é uma solução simples demais para a complexidade que é o autismo.”
É por isso que é necessária mais e melhor informação sobre a doença. A palavra é usada algumas vezes de maneira errada, quase sempre em sentido depreciativo, e por pessoas de renome e responsabilidade pública. Mas aí a enfermeira encolhe os ombros. “O que é que podemos fazer? É a sociedade desinformada que temos.”