Há umas semanas, tomei a decisão de me ausentar durante uns dias da emissão e fazer o meu próprio retiro de silêncio. E esta experiência foi tão gratificante que inspirou toda a edição de novembro de Júlia – De Bem com a Vida. Aqui vai…
Confesso que durante muito tempo o silêncio me soou a uma espécie de penitência. Talvez porque também o associava às escapadelas metafísicas ou à meditação budista. E aqui entre nós, embora eu não seja muito dada às rotinas de Buda, como eu gostaria de esvaziar a mente e conseguir não pensar em nada. Bem sei que o fenómeno não é exclusivo de mestres Rinpoche, mas na cabeça de Júlia Pinheiro há sempre muita informação a circular. E de vez em quando, como é óbvio, acontecem choques em cadeia e congestionamentos. O silêncio começou, assim, a tornar-se uma necessidade na minha vida. E um bem escasso. Os meus dias são feitos de reuniões, estúdios, debates, obrigações, horários e pessoas. Nunca estou sozinha. Sou sempre a colega, a chefe, a colaboradora, a apresentadora, a esposa, a mãe ou a filha. E Júlia? Quantas oportunidades tenho de ser só ‘eu’. No meu canto, apenas com os meus pensamentos, receios, desejos. Quantas oportunidades tenho de estar em silêncio? Nunca.
Fiz as malas, procurei então um espaço tranquilo e preparei-me para me isolar por completo. Com o total apoio do meu marido (todos os dias, eu compreendo porque me casei com ele!), a única pessoa a quem telefonei uma vez por dia. O facto de me ter esquecido (e ainda bem) do carregador do telemóvel poupou-me uma série de dilemas. E ruídos. E durante dias vivi ao sabor do (meu) tempo. Silêncio absoluto. Afinal de contas, era este o objetivo do meu retiro. Descansar as ideias. Pô-las em ordem, em fila indiana, obedecendo às prioridades ao invés das pressões a que estamos sujeitos e às quais cedemos quando não paramos para nos escutarmos a nós próprios.
É deste diálogo interno que é feito o crescimento pessoal. E isto, na verdade, nada tem de transcendente. Não fiz meditação vipassana. Mas dormi imenso. Não levei livros de Dalai Lama nem acompanhei os noticiários do dia. Mas li imenso. Fiz o que me apeteceu. E em silêncio. Parti irritada e pressionada. Regressei tranquila e apaziguada.
Deixei de encarar o silêncio como um luxo. O silêncio é um direito.