As imagens têm chocado o mundo. Homens vendidos como escravos nos arredores de Trípoli, na Líbia, por 1.200 dinares líbios, cerca de 335 euros cada. Os leilões, que acontecem em pelo menos nove locais, foram denunciados pelo canal de notícias norte-americano, CNN.
Muitos migrantes que chegam à Líbia com o sonho de atravessarem o Mediterrâneo acabam por ser vendidos como escravos. Na passada semana, a cadeia de televisão americana CNN emitiu um documentário no qual revelava a existência de um mercado de escravos perto de Tripoli, capital da Líbia. Provenientes de países da África subsariana, os migrantes são forçados a permanecerem em locais fechados, sem água ou alimentação digna desse nome até serem vendidos.
A CNN investigou o caso depois de receber um vídeo onde se veem vários homens a serem leiloados e as autoridades locais abriram um inquérito para investigar a situação.
No vídeo captado por telemóvel, agora divulgado, vê-se um homem nigeriano, de camisa branca a ser vendido como “um rapaz forte para trabalho agrícola”. “900… 1.000… 1.100 …”, ouve-se. Um dos homens acaba por ser vendido por 1.200 dinares líbios, cerca de 75 euros. O homem que está a fazer a venda não aparece nas imagens, apenas se vê a sua mão, em cima do ombro do migrante.
O canal de notícias norte-americano disse ter passado vários meses a tentar verificar a autenticidade das imagens, tendo, por fim, decidido enviar uma equipa, no final do mês passado, ao país para investigar o caso.
De acordo com a investigação, os leilões ocorrem entre uma a duas vezes por mês em diversas cidades. A equipa do canal de televisão esteve presente num, perto da capital da Líbia, Tripoli, onde, no espaço de aproximadamente sete minutos, cerca de 12 pessoas foram vendidas com valores entre os 430 e 550 euros.
Um destes migrantes, Victory, natural da Nigéria, disse à CNN ter “gasto todas as economias” na tentativa de chegar até à Europa e acabou por ser vendido como escravo, supostamente por não ter pago o suficiente para a parte final da viagem. Victory, que aguarda num centro de detenção em Tripoli o repatriamento, ficou livre após a família pagar um resgate. Quando foi comprado valeu precisamente 400 dólares. Segundo a CNN, os homens vendidos em leilão são oriundos da Guiné, Senegal, Mali, Níger, Nigéria e Gâmbia.
Agir rapidamente para acabar com o tráfico de pessoas
As imagens divulgadas têm provocado uma onda de choque e indignação por todo o mundo. França foi o primeiro país a pedir publicamente uma reunião urgente do Conselho de Segurança das Organizações das Nações Unidas (ONU), que, entretanto, decorreu na passada terça-feira.
Durante a reunião de emergência do Conselho, François Dellatre, embaixador francês na ONU, declarou que “França vai propor-se a apoiar o comité de sanções para identificar os indivíduos e entidades responsáveis pelo tráfico [de humanos] em todo o território líbio”. O representante francês pediu o apoio de todos os membros do Conselho para encontrar os responsáveis e levá-los à Justiça.
Também António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas e a União Africana já pediram celeridade para acabar com os atos de escravatura naquele país.
A sociedade civil africana também elevou a voz. Os mais mediáticos foram os jogadores de futebol que jogam na Europa, encabeçados por Geoffrey Kondogbia, atleta do Valência de origem centro-africana, que no passado domingo, durante um jogo contra o Espanyol, vestiu uma camisola com a frase: “Futebol à parte, não estou à venda”.
https://twitter.com/Geo_Kondogbia/status/932328796262490112
Mas Kondogbia não foi caso único. Paul Pogba, estrela do Manchester United, e Cheick Doukouré, jogador do Levante, também juntaram-se à causa. Ambos comemoraram os golos que marcaram com os pulsos colados, no ar, simbolizando umas algemas. No final do jogo, Pogba fez um apelo no seu Instagram: “que esta crueldade acabe”.
https://www.instagram.com/p/Bbp2t1inbKt/
A investigação da CNN vem chamar a atenção para uma realidade que existe na Líbia desde o fim da ditadura de Muammar Kadhafi, em 2011. Depois da deposição do regime, os traficantes aproveitaram as deficiências na segurança e a completa impunidade na Líbia para aliciarem dezenas de milhares de pessoas para uma vida melhor, com a passagem para Itália, a 300 quilómetros da costa líbia. Esta realidade ganhou maior dimensão desde que o país se tornou, em 2016, a principal plataforma para migrantes e refugiados tentarem chegar à Europa.