Por um lado, o aumento dos preços no setor imobiliário, inacessíveis aos jovens; por outro, a segregação e a solidão das gerações mais velhas. A solução? Homeshare.
Este conceito de partilha de casa foi já testado nos anos 80, nos Estados Unidos e em Espanha. E é uma solução defendida por muitos especialistas como um passo interessante para ajudar a resolver estes dois problemas que afetam atualmente a população das grandes cidades.
A ideia é simples: tenta colmatar uma divisão entre gerações que existe por todo o mundo. De um lado, estão as pessoas mais velhas, com habitações que foram compradas quando os preços das casas eram comparativamente mais baixos. Estas pessoas, hoje em dia, precisam de alguma ajuda com atividades diárias como compras e limpeza. Do outro lado, estão os jovens. Não conseguem arrendar um apartamento em condições, devido aos elevados preços das rendas, mas têm algum tempo livre para oferecer.
Concerto em troca de renda:
“O stress estava sempre nas minhas finanças, e não nos meus estudos. E isso impedia-me de ter o estado de espírito necessário para conseguir tirar um mestrado.”
Estas são palavras de Kristal Daniels, estudante de música, de 27 anos, que vive num lar de terceira idade em Ontário, no Canadá. Kristal entrou neste acordo de coabitação através de um programa para os estudantes da Universidade Western. Implica uma dedicação de 10 a 12 horas por semana de prática de música nas salas comuns do lar para interagir com os idosos e animar o espaço. Em troca, não paga renda.
“Não é para toda a gente”, avisa Kristal. “Mas os habitantes do lar dão-nos sempre um retorno positivo. São a moldura da nossa sociedade e têm muito para nos oferecer.”
Já Carol Bradley, diretora do lar em questão, disse que os “recitais” da estudante são uma dádiva para todos. “Os residentes não sabiam que isto era possível. Acho que é a espontaneidade de tudo aquilo que os atrai. Ouvir a música, ver as reações de quem vive aqui no lar… É uma vitória para todos”, afirma Bradley. “Dá aos moradores um pouco mais de significado a esta fase das suas vidas, e eles adoram.”
A dádiva dos ‘millennials’:
Mikyoung Ahn, estudante sul-coreana de arquitetura, não esperava viver perto do Arco do Triunfo, em Paris, por apenas 120 euros por mês. Contudo, graças ao homeshare, a futura arquiteta, de 25 anos, vive exatamente num dos bairros mais chiques da Cidade Luz. A sua parceira? Monique, uma viúva de 78 anos.
A jovem vai à mercearia, trata da loiça, prepara a comida e leva o lixo, mas relativiza a carga do trabalho. “Se eu estivesse noutro sítio, seria a mesma coisa, tinha de fazer tudo também”, explica Mikyoung sobre as suas tarefas, que troca por uma renda mais barata do que o habitual naquela zona. Além de que estas tarefas podem até ser divertidas. “Quando chego da universidade, preparo o jantar e ponho a tocar uma música, como Les Champs-Élysées, por exemplo. E cantamos juntas.”
Já Monique, que criou um guia de instruções para o comando da televisão para Mikyoung, tornou-se uma fã avida da série Downton Abbey quando a coreana a apresentou. “Temos muitos bons momentos juntas, partilhamos muita coisa”, como por exemplo, diz Monique, a paixão pelo patchwork (trabalhos de retrosaria com retalhos de tecido). Ambas se dedicam a esta atividade e trocam opiniões sobre os seus trabalhos nos tempos livres. “É como se fosse minha neta!”
Do Skype aos graffiti
A segregação entre gerações também parece incidir nos mais jovens. Estes estudantes universitários, depois de saírem da casa dos pais aos 18 anos, pretendem viver com pessoas da mesma idade, com experiências de vida semelhantes. Por essa mesma razão, a Humanitas Deventer, uma casa de repouso na Holanda, decidiu instituir um programa de intercâmbio.
À semelhança do lar canadiano, a Humanitas Deventer troca 30 horas por mês do tempo dos estudantes com moradores de idades na casa dos oitenta e noventa anos por uma renda gratuita na sua propriedade. Neste programa de voluntariado, os alunos ensinam algo novo aos residentes: como enviar emails, usar o Skype, usar as redes sociais, e até fazer graffiti.
Segundo o programa, está cientificamente comprovado que a diminuição da solidão e do isolamento social aumenta a expectativa de vida das pessoas idosas e melhora o seu bem-estar geral. Já os estudantes, segundo uma investigação na Universidade de Exeter, ganham uma maior ligação com as gerações mais velhas, aumentando também a probabilidade de participarem numa atividade de voluntariado depois de deixarem a universidade.
Para além do homeshare: abram-se as portas
O think tank britânico United for All Ages (Unidos para Todas as Idades) publicou um estudo cujos resultados indicam que mais lares deveriam abrir as portas a estudantes, assim como as universidades deveriam ter incentivos − como cursos para idosos − para receber os mais velhos.
Segundo o relatório publicado, há um fosso cada vez maior entre as gerações mais velhas e as mais novas. Esta segregação deve-se em parte à crise imobiliária, que obrigou os jovens a viverem em áreas urbanas mais baratas, enquanto os seus pais e avós vivem nos subúrbios ou no campo. Esta situação levou a que o contacto dos mais velhos com as gerações mais novas seja mais raro: 56% menos do que nas outras faixas etárias, excetuando situações familiares.
Como solução, a United for All Ages sugere a abertura dos lares a atividades comunitárias, como, por exemplo, disponibilizar certas salas para ATL e infantários. Por outro lado, propõe que as universidades ofereçam programas para diferentes faixas etárias ou que incentivem atividades para todos no campus universitário.