Com Vincent Farges

O francês que se rendeu a Portugal e conquistou Epur.

Nunca tínhamos falado antes. Mas já o conhecia muito bem antes desta sessão fotográfica. Sempre que precisei de um refúgio para pensar e tomar algumas decisões, escolhi a Fortaleza do Guincho, onde Vincent foi chef de cozinha durante 10 anos.

Vincent é um homem de bastidores. Eu sou uma mulher de ecrã. Nunca nos cruzámos. Até hoje. Em Julho, Júlia de Bem com a Vida inspirou-se na recente visita do jornal Le Figaro, que veio ver com os próprios olhos o que tanto atrai os estrangeiros (nomeadamente franceses) até Portugal.

O meu primeiro convidado é Vincent Farges.

O francês que se rendeu a Portugal e conquistou Epur. Foto-J-e-V-horizo-riso

Com o Chef francês Vincent Farges

Temos uma longa sessão fotográfica pela frente. Por isso, começamos a conversa a quebrar o gelo. Digamos que é uma espécie de aperitivo, um teste ao humor francês 🙂

Vincent, sou fã da sua cozinha. Contratar-me-ia para a sua nova equipa no Epur?, pergunto-lhe sem rodeios.

“Gostar de cozinhar e ser um hobby, uma paixão, é uma coisa… Fazer da sua paixão a sua profissão, é algo completamente diferente… Portanto é melhor pensar bem antes de se alistar!”, responde-me. Está quebrado o gelo.

Há precisamente um ano recordo-me de Jean-Michel Casa, o embaixador francês em Portugal, ter dito que “Portugal é o país da moda em França”. Estima-se que sejam 30 a 60 mil os franceses que optaram por fixar residência no país das “gentes acolhedoras”, e, citando o diplomata gaulês, “onde se come e bebe bem”.

Vincent Farges, que até há bem pouco tempo era conhecido como o chef de cozinha do restaurante Fortaleza do Guincho, faz parte do leque de franceses que trocaram o berço da alta gastronomia pela possibilidade e privilégio de viver perto do mar: “Gosto muito deste país, que é fácil visitar de uma ponta à outra. Apesar de pequeno, há muitas coisas a descobrir, encontramos sempre pessoas simpáticas e acolhedoras, sempre com orgulho de apresentar algo feito por elas. Gosto muito”, conta-me Vincent.

Metade da sua vida tem como cenário Portugal. E por isso, não lhe fazia sentido regressar a França nem a nenhum dos outros países por onde passou, quando decidiu abrir o seu próprio restaurante: “agora está na hora de deixar as malas de lado e criar raízes”.

 

O francês que se rendeu a Portugal e conquistou Epur. Foto-Vincet-close-up

Vincent Farges

Epur, um restaurante no Chiado com grandes janelas viradas para o Largo da Academia Nacional de Belas Artes, e uma vista soberba para o rio Tejo, abriu há pouco mais de um mês.

“O conceito junta a gastronomia ao design, à arquitetura, à tecnologia. É um projeto muito depurado, muito minimalista, onde vamos servir uma comida simples, acompanhada por vinhos nacionais de grande qualidade. Não é um restaurante com comida francesa, ou portuguesa ou outra definida. É uma comida boa e bem feita, simplesmente “cozinhada” com paixão”, descreve o chef.

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Com Vincent Farges

E de onde vem esta paixão pela comida boa e bem feita?

Agora, sim, regressamos a França: “Enquanto criança, tive a sorte de crescer no interior, ou seja, no campo (região de Rhône-Alpes)! Cresci a ver o meu pai ir todos os dias à horta, após o seu dia de trabalho. E aos fins de semana, recordo-me que acordava cedo para ir mexer a terra, cuidar dos legumes, das ervas, criar galinhas, coelhos, patos, etc. Éramos uma família de três crianças, mas a minha mãe criou mais duas, portanto a mesa estava sempre bem cheia. A minha mãe cozinha muito bem”.

Vincent, hoje com 45 anos, menciona o tradicional pato francês (Lapin aux olives – Coelho com azeitonas) como uma das memórias de infância mais deliciosas à mesa. “Não me lembro de ter experimentado refeições de “lata” naquela altura”. E assim nasceu o gosto pela boa comida: a ajudar o pai na horta e a dar seguimento, na cozinha, descascando e preparando os ingredientes com a mãe. “Provava os molhos, mexia os refogados. E de conversa em conversa, de pais com filho, entrei na escola de cozinha logo a seguir ao colégio”, refere.

 

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Eu também sou Chef de Cozinha

E mal agarrou o seu diploma nas mãos, tinha o restaurante Digne les Bains à espera. Uma estrela Michelin. Mas para ser honesto, confessa Vincent, estava longe de imaginar a dimensão da experiência.

Com o chef deste hotel aprendeu a velha escola e os valores da profissão: “o amor pelos bons produtos, saber escolhê-los, respeitá-los e cozinhá-los”. E quando um dia Vincent lhe contou que sentia necessidade de sair para ganhar mais experiência, foi o próprio patrão que lhe abriu as portas do hotel, em Juan Les Pins. Duas estrelas Michelin. E “um chef meio maluco. A experiência foi dura, aprendi a disciplina, o rigor de trabalho. E se não fosse a minha força mental e física e o apoio moral de meu pai, teria abandonado a cozinha naquela altura.”

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Com Vincent Farges

Como é criar um prato?

“Quando quero criar um prato, em primeiro lugar escolho o elemento principal que pretendo cozinhar, e depois vou juntando-lhe alguns elementos para o sublimar. O resto é feito com a vontade e inspiração do momento. Sem esquecer a época do ano, etc. No verão, gostamos de uma comida mais leve, mais fresca, ao contrário do inverno, em que os guisados são reis!”

 

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Vincent Farges

O que nunca pode faltar na cozinha?

Tenho alguns temperos “preferidos”. Costumo usar imenso pimenta d’ espelette (especiaria francesa).

Mudanças que tem acompanhado em Portugal?

Na altura, quando cheguei a Portugal, a alta gastronomia ainda não estava presente e a oferta de restaurantes era bem menor. Mas o que se comia na altura, eram pratos muito bem servidos, bem temperados, com produtos da terra! Nas feiras, havia muitos mais produtores “a sério”, comparando com a realidade de hoje. Atualmente, das pessoas que vendem nas feiras e praças, só uma minoria produz realmente o que vende.

 

O francês que se rendeu a Portugal e conquistou Epur. julia-V-e-J-legumes-ar

Cozinha francesa e portuguesa: Descubra as diferenças?

Em França, eu gosto da cultura nata para a boa comida, para o respeito da sazonalidade dos produtos, da diversidade de produtos. Em Portugal, a cultura e a mentalidade “gastronómica” ainda está em fase de adaptação à modernidade, ou ao “exotismo”.
A diferença é essa, uma diferença de cultura simplesmente. Porque em Portugal, com a diversidade e oferta gastronómica que existe, não vejo razão para não se produzirem coisas diferentes. Mas ainda temos dificuldades em arranjar produtos diferentes, e tê-los com uma qualidade constante. Porém, como eu gosto imenso do que existe em Portugal, adapto-me aos produtores.

 

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