Berbicacho: Comprei uma casa em leilão das Finanças e agora tenho uma surpresa. O que fazer?

O Miguel escreveu para Júlia – De Bem com a Vida e pediu ajuda para a seguinte questão: comprou em leilão das Finanças um imóvel. Qual não é o seu espanto que, quando vai receber as primeiras rendas do inquilino, este diz-lhe que, ao abrigo do acordo com o antigo proprietário, e dado que fez obras em casa, a renda é praticamente menos de metade.

Qual é a resposta certa? O acordo é válido? O serviço de finanças emitiu um parecer. Mas… não está completo. A nossa especialista Sofia Matos esclarece tudo, sem pontas soltas.

 A pergunta do nosso leitor Miguel:

Comprei um apartamento em leilão das finanças (o mesmo apresentava um contrato de arrendamento). Após receber os documentos e registos do mesmo, foi me indicado o contacto do inquilino. Depois de contactar o inquilino para lhe indicar que seria eu o novo proprietário e que deveria fazer-me o pagamento da renda, ele respondeu com o comprovativo de pagamento correspondente ao corrente mês e ao mês seguinte. Para minha surpresa: o valor pago de ambos os meses não correspondia sequer à totalidade de um mês. Disse-me que foram efectuadas obras e que o antigo proprietário, como não apresentava possibilidade de pagar, foram pagas pelo inquilino, tendo ficado acordado o pagamento a deduzir nas respetivas rendas. Contactei as finanças, onde me esclareceram que o imóvel foi-me vendido sem quaisquer ónus ou hipotecas ou dívidas associadas e que por isso, eles teriam de se tornar credores do ex-proprietário na sua liquidação. Posso avançar com ordem de despejo ao fim de três meses de rendas por pagar? Não me foi apresentado nenhum contrato de arrendamento nem de obras. Nem rigorosamente nada.

 

Resposta da Dra Sofia Matos
Advogada. Especialista nas áreas de Direito Comercial e Societário, Private Clients, Direito Fiscal

O artigo 1074º, n.º 1 do Código Civil prevê que é o senhorio o responsável pela execução de todas as obras de conservação. Esta obrigação encontra fundamento na circunstância de caber ao senhorio assegurar o gozo da coisa ao arrendatário (artigo 1031º, alínea b) do Código Civil). Para além disso, é o locador, enquanto proprietário do imóvel, que beneficia das obras feitas sobre o mesmo, e assim sendo, é ele o responsável pelo pagamento das obras.

No caso em apreço verificamos que o imóvel vendido tinha subjacente um acordo celebrado entre o anterior senhorio e o arrendatário, acordo este efetuado no âmbito a relação contratual do arrendamento, relação esta que se mantém intocável com a venda do imóvel em hasta pública.

Pretende assim aferir-se da possibilidade de o novo senhorio poder resolver o contrato de arrendamento com base na falta de pagamento integral das rendas com base no artigo 1083º n.º 3 do Código Civil.

Neste caso em concreto somos de opinião que ao novo senhorio não lhe assiste o direito de resolver o contrato de arrendamento já que este sucede nos direitos e obrigações do anterior senhorio, não podendo, o arrendatário, ver o acordo estabelecido com o anterior senhorio, afetado, apenas porque é alterada a titularidade do proprietário.

Contudo, é possível identificar no presente caso um vício da vontade, nomeadamente, um erro sobre o objeto do negócio, nos termos do artigo 251º do Código Civil, na medida em que o desconhecimento deste acordo é, sem dúvida, um erro que atinge um motivo determinante da vontade, visto que, afeta a principal obrigação do arrendatário para com o locador, o pagamento da renda. Este mesmo dispositivo legal remete para a aplicação do regime do artigo 247º do Código Civil que se aplica ao caso em apreço, já que, os serviços das finanças, mesmo não conhecendo, não deviam ignorar a essencialidade, para o novo proprietário, da existência de tal acordo.

Desta feita, poderá o novo senhorio vir arguir a invalidade do negócio celebrado com os serviços das finanças, mais especificamente, a anulabilidade do da compra do imóvel, restituindo-se ao novo senhorio e proprietário o preço que este pagou pela compra e todos os impostos associados à compra, como sejam o imposto de selo e imposto municipal sobre a transmissão onerosa de bens imóveis, vulgarmente conhecido como IMT.

 

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