Uma entrevista de cortar o fôlego. No Dia do Pai. Com António Maria Rolo Duarte, que apresentou o último livro do Pai, um dos maiores nomes do jornalismo português.
“Não Respire” de Pedro Rolo Duarte, uma obra que é publicada após a sua morte.
“Acho que o único conselho que o meu pai não me deu foi mesmo sobre o que se faz, ou como se faz, quando ficamos sem o nosso pai aos 22 anos”, António Maria Rolo Duarte
Quem é o António Rolo Duarte além de ser o filho do Pedro Rolo Duarte?
Não sei, mas estou a tentar descobrir. Essa é uma pergunta que faz imenso sentido para mim. O ano passado foi estranho. Participei num programa de televisão, onde tinha de estar concentrado nas minhas ideias, quase ao mesmo tempo que lançava o último livro do meu pai, onde tinha de o representar a ele e estar a pensar nas ideias dele. Isto foi depois de ficar sem o meu pai e depois do ano anterior, em que o meu pai esteve doente. Tudo isto foi muito confuso. Tenho 23 anos. Parte de ter esta idade é o processo de percebermos quem somos e para onde queremos ir. E esse processo, no meu caso, foi abalroado de uma forma um bocado intensa nos últimos tempos. Tive de voltar a ele, e é dessas respostas mais profundas sobre mim mesmo que estou à procura agora.
O teu percurso muito cedo começou por outras paragens. Como é que começou essa aventura?
É verdade. Aos 15 anos eu meti na cabeça que tinha de me mudar para a Austrália o mais depressa possível. Era um sonho que eu tinha e que não podia esperar. Felizmente tenho uma mãe extraordinária que aceita as minhas ideias loucas e faz dos meus sonhos os dela. A minha mãe foi fã da ideia desde o primeiro minuto e encorajou-me imenso. O meu pai, pelo contrário, não achou piada nenhuma. Tive de o convencer. Então ele acabou por admitir que a ideia tinha os seus méritos e mudou de opinião. Portanto fui eu que fui para a Austrália, mas esta aventura precisava da coragem de ambos os meus pais para poder acontecer.
Ir para o outro lado do mundo com apenas 16 anos deve ter sido um desafio enorme… Como é que os teus pais lidaram com isso?
Agora que já passaram uns anos é que eu começo a perceber como aquilo que fiz é raro. Não conheço mais ninguém que tenha escolhido, tão jovem, abandonar uma vida confortável em casa dos pais para ir por sua conta e risco para o meio da floresta do outro lado do mundo. Ainda assim, acho que foi mais difícil para os meus pais do que para mim. A verdade é que eu tive uns anos extraordinários na Austrália. Tudo para mim eram experiências novas. Já os meus pais estavam em Portugal com a mesma rotina de sempre. Era mais fácil para mim distrair-me das saudades, porque estava sempre ocupado com novas aventuras, do que para eles, que viam o meu quarto vazio todas as noites. Claro que o Skype é uma maravilha que torna qualquer distância muito menor, e nós aproveitámos o Skype ao máximo. Mas não subvalorizo a força dos meus pais.
Em que é que a experiência de viver fora tão jovem te (trans)formou?
Tornou-me uma pessoa mais confiante. Quando me aparecem desafios difíceis agora, eu sei que os consigo ultrapassar. Em Cambridge, quando tenho apenas algumas horas para fazer um trabalho que os meus colegas fizeram durante uma semana inteira, eu sei que consigo. Porque na Austrália consegui em metade desse tempo, porque tinha de ir para o restaurante grelhar frangos à noite e tinha de fazer duas horas de caminho pela floresta até chegar a casa. Por outro lado, a Austrália também me ajudou a adotar uma forma de viver que inclui aproveitar as coisas boas da vida com a tranquilidade e a preguiça que elas merecem. Os australianos sabem viver a vida, surfar a onda, levar as coisas na boa. Ir para um país onde toda a gente vê o copo sempre meio cheio e onde o lema é “no worries” (não tem problema) foi uma lufada de ar fresco que me fez ver como é possível viver de uma maneira mais livre e positiva.
O teu pai deu-te na altura uma série de conselhos que estão transcritos no livro “Não Respire”. Que uso deste a esses conselhos?
Estão sempre comigo. O livro é muito mais do que essa série de conselhos, mas cada um deles é, por si só, uma pérola que vale a pena ser lida em qualquer idade. Juntos constituem uma espécie de manual para uma filosofia de vida equilibrada. Há ali conselhos sobre os temas mais variados, desde lidar com o medo a saber quando confiar, passando pela importância da respiração. Acho que o único conselho que o meu pai não me deu foi mesmo sobre o que se faz, ou como se faz, quando ficamos sem o nosso pai aos 22 anos. Mas este livro acaba por ser, de certa forma, esse conselho final. Basta ler o subtítulo, que diz “Tudo começou cedo demais, e quando dei por isso era tarde”. Há uma lição nessa frase que provém da juventude do meu pai, e com a qual eu espero ter aprendido.
Como descreverias o teu pai e a relação que sempre tiveram?
Para mim, o meu pai está a grelhar frangos com limão no churrasco do nosso monte no Alentejo, com um pullover azul vestido, um gin tónico na mão, uma grande pilha de jornais e revistas por ler no banco branco atrás dele, enquanto o sol se põe no horizonte e eu apareço para perguntar quantos minutos mais tenho para ler o meu livro até irmos jantar. Esta é a imagem que eu tenho. O meu pai adorava o Alentejo, o silêncio, a tranquilidade. Eu também. E uma das minhas coisas favoritas era estar com o meu pai de férias, cada um com os seus livros e jornais e revistas, os dois calados durante horas a fio a virar as páginas e a apreciar o sossego.
O livro “Não Respire” e todos os trabalhos que publicou são um legado que o mantém mais próximo de ti?
Sim. É a maior sorte do mundo ter um pai que escreve, porque as palavras dele ainda andam por aqui. Ainda tenho muito para aprender com o meu pai. Mas isso não torna a ausência dele menos evidente. Acho que crescer é o processo em que aquilo que está entre nós e a morte vai aos poucos desaparecendo. Primeiro o berço, depois a escola, depois o quarto de casa dos pais. Tudo o que existe para nos proteger vai sendo retirado à medida que crescemos. Mas neste processo, o nosso pai é a última peça. O pai é o derradeiro bastião entre o filho e a morte. Ficarmos sem o nosso pai é a conclusão radical do processo de crescer. É a realização súbita de que agora só sobro eu e a morte, e de que estou por minha conta face a ela. É por isso que o meu pai usa a expressão “crescer à pressa” no livro dele. Porque não é suposto que fiquemos por nossa conta tão cedo. E ele ficou, aos 22 anos. Tal como eu, aos 22 também. Portanto as palavras que o meu pai deixou escritas são um tesouro maravilhoso para mim. Mas não me fazem esquecer o facto de que agora estou sozinho, sou adulto, e de que quanto a isso não há nada a fazer.
Que percurso profissional e de vida escolheste para ti e que legado gostarias tu de deixar?
Ainda não escolhi e ainda não sei. Às vezes sinto alguma pressão para ser algo que não tenho a certeza que queira ser. Pode parecer ridículo, porque a maioria das pessoas no país certamente não saberá quem sou, mas em Lisboa oiço muito à minha volta a ideia de que represento alguma espécie de esperança numa nova geração. Não sei se estou à altura dessa expetativa. O facto de ter voltado para a universidade, em Inglaterra, é bom porque me permite estar afastado de tudo isso por uns tempos. Tenho mais um ano em Cambridge, e a vida de estudante é perfeita para mim neste momento. Preciso de espaço para poder errar à vontade. Preciso de me perder antes de me poder encontrar.