Não há inclusão sem acessibilidade
Crónica de Ana Sofia
Mãe de uma criança especial. Mãe, de bem com a vida.
Se se eliminarem as barreiras físicas de forma a garantir o acesso desses lugares a todas as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, as barreiras emocionais que ainda existem acabarão por se desvanecer também com o tempo e levar a uma verdadeira inclusão.
Muitas vezes dou comigo a perguntar: onde estão as outras crianças com necessidades especiais? Penso nisso quando vou, por exemplo, ao centro de saúde e as mães das outras crianças olham com certa surpresa para a minha filha, como se não fosse habitual ver crianças como ela ali. Outras vezes, acontece quando a levo comigo ao supermercado, ou numa viagem de avião em família; quando a levo a comprar roupa (e ela é muito vaidosa!), a uma esplanada ou a passear no paredão à beira-mar. Ou quando vamos a um parque infantil, ou com a irmã ver uma exposição, ou renovar o cartão de cidadão, ou a um restaurante e até a um centro comercial!
A verdade é que, da mesma maneira que eu noto alguma surpresa nas outras pessoas quando o seu olhar encontra o da minha filha com necessidades especiais, eu também me surpreendo por não ver nesses lugares outras crianças como ela.
Então, o meu primeiro pensamento foi: será que as crianças com necessidades especiais ainda estão “escondidas” nos dias de hoje?
Mas não, não se trata disso. A verdade é que, com o decurso do tempo e por força da minha experiência pessoal, pude compreender o verdadeiro motivo que leva a que muitos pais pensem duas vezes antes de sair com os seu filhos com necessidades especiais…e esse motivo é a falta de acessibilidade!
Não é fácil gerir toda a logística à volta de uma criança que não tem mobilidade, por exemplo. É preciso um carrinho de passeio adaptado ou uma cadeira de rodas, se a criança for mais crescida. Estes objetos têm normalmente dimensões maiores que um carrinho de passeio standart. Por isso nem sempre cabem em elevadores (quando há elevadores), ou em portas estreitas, ou em passeios com árvores ou postes pelo meio, ou em restaurantes ou dentro das lojas (quantas vezes acabamos com o carrinho da minha filha “enfeitado” com peças de roupa ou outros artigos que vêm agarradas porque o espaço é demasiado estreito…).
Esta semana, só para partilhar um dos mil exemplos, precisei de ir supermercado e levei a S.. O supermercado fica perto de casa. O normal seria demorar 20 minutos, talvez 30 para quem leva consigo uma criança pequena que gosta de parar em todas as prateleira e apeadeiros de gomas e chocolates… No meu caso, levar a S. significa levar também o carrinho, que pesa consideravelmente mais que um carrinho normal de bebé. Cheguei ao local e sentei-a no carrinho. A S. estava num dos seus dias tranquilos; caso contrário, voltaria a sentá-la na cadeira do carro, a desmontar o carrinho e a metê-lo na mala, para poder antes levá-la ao colo. Confesso, nem com muitas horas de ginásio conseguiria esta musculatura que os meus braços adquiriram com tanto exercício…
Já no supermercado, e uma vez que os corredores são muito estreitos, e com mostradores pelo meio, enfrentei uma mini-gincana para conseguir cumprir a lista mínima de compras. Na caixa, havia fila. E, claro, impaciência da parte da S. que veio para o meu colo, obrigando-me a acondicionar as compras e a procurar o porta-moedas na carteira com apenas uma mão livre. De regresso à azáfama do entra-e-e-senta-no-carro, volto a arrumar o carrinho, as compras e voltamos para casa. Passou uma hora e meia!
Outro exemplo de falta de acessibilidade são os parques infantis. Esses espaços de lazer não estão pensados para crianças que não se possam sentar bem, por exemplo; ou que, por força da espasticidade se magoem nos materiais rígidos. Imaginem o que é levar uma criança que não se senta bem: dependendo dos casos, umas vezes magoam-se nos materiais rígidos, outras não têm apoio suficiente para se manterem acomodados num baloiço, etc.. Isso causa frustração à criança (e aos pais), e acaba por levar muitas vezes à redução dessas oportunidades de inclusão.
Também não é fácil gerir as emoções das nossas “crianças especiais” em espaços públicos, por exemplo, devido às suas diversas formas de expressar as emoções: se estão muito contentes podem gritar de alegria de uma forma incontrolável, ou emocionar-se e começar a chorar, ou, se sofrerem de espasticidade, podem esticar-se demasiado e ser impossível mantê-las tranquilamente sentadas no carrinho ou na cadeira.
Tudo isto sem contar com os vários olhares de reprovação à sua volta, o que também não é propriamente motivador. Mas isso é o que menos importa. Se se eliminarem as barreiras físicas de forma a garantir o acesso desses lugares a todas as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, as barreiras emocionais que ainda existem acabarão por se desvanecer também com o tempo e levar a uma verdadeira inclusão.