Estas duas histórias mostram que a internet passou a ser um lugar comum para encontrar o amor. A internet mudou a forma como procuramos um marido/mulher.
A internet veio revolucionar a forma como hoje vivemos e nos relacionamos uns com os outros. O termo “à distância de um clique” tornou-se um hábito em muitas áreas da nossa vida. Atualmente basta “um clique” para fazer compras, transferências bancárias, pagar parquímetro, ouvir podcasts, ver um filme ou conhecer pessoas.
O Dia Mundial da Internet foi criado para lembrar as conquistas no setor e para promover a inclusão social. Mas estas duas histórias (entre muitos estudos e estatísticas) também mostram que a internet passou a ser um lugar comum para encontrar o amor. A internet mudou a forma como procuramos um marido/mulher.
“Os online dating (namoros/encontros online/virtuais) já não são vistos como a última tentativa dos encalhados e desesperados para encontrar a sua cara metade. O estigma está a dissipar-se”, escrevem os autores do estudo publicado no portal Statista (portal especializado em estatísticas internacionais), partilhando que quase metade dos utilizadores de internet americanos conheceram ou conhecem alguém que conheceu um namorado num site ou app de encontros.
Com base nos dados recolhidos em janeiro deste ano, 49% dos utilizadores de apps de encontros responderam que usaram este serviço para procurar um relacionamento romântico.
Um outro estudo com relevância mostra-nos que um terço (um em três) dos casamentos nos Estados Unidos da América começaram online. Mas há mais: os investigadores analisaram a satisfação e o potencial risco de divórcio e concluíram que a satisfação era maior e o risco de separação menor nos casais que se conheceram na internet, comparando com os casais que começaram o seu relacionamento pelos meios tradicionais (local de trabalho, escola, amigos).
Justificam os especialistas que os resultados podem dever-se ao facto de aplicações como o Tinder cruzarem informações dos utilizadores (através do Facebook), propiciando assim o contacto entre pessoas com interesses e características comuns, o que reduz as diferenças, que muitas das vezes contribuem para separações.
Amor e Internet. Hoje.
“Quando nos conhecemos pessoalmente já tínhamos consciência das nossas ambições profissionais e do sentido de humor que partilhávamos. O encontro em pessoa foi apenas uma adenda agradável”, Liliana, 30 anos e Joaquim, 31. Conheceram-se em 2013 e casaram em 2017
O Tinder, uma aplicação destinada a “encontros românticos online”, é usada em 140 países por 57 milhões de pessoas. Entre elas, Liliana e Joaquim.
“Registei-me no Tinder no Verão em que a aplicação foi lançada em alguns países da Europa”, recorda Liliana. Tinder era ainda um nome estranho em Portugal, mas as amigas estrangeiras que estavam de visita trataram de trazer aquele “brinquedo novo” para o centro das conversas de café.
“O conceito pareceu-me hilariante – um cenário perfeito para pregar partidas às pessoas. Fazia match a pessoas que tinham erros gramaticais, a quem achava que estava a ser engraçado mas era piroso, e quando o chat abria, corrigia-as ou comentava com ‘és o 24º rapaz num raio de 10 kms com uma fotografia com um tigre, só para saberes”‘ e nunca passava disto”, recorda.
Até que um dia, recebo uma mensagem de uma amiga, com umas fotos de um rapaz: ‘vi este rapaz no Tinder que é mesmo a tua cara, posso enviar-lhe o teu número?’, perguntou-me. Consenti, equacionando uma partida.”
Errado. No dia seguinte, chegou a prova: “Olá. A tua amiga enviou-me o teu número”. Começaram as conversas e os emails, que com o passar do tempo, passaram a ser diários. Joaquim estava de férias em Portugal (o Tinder aproxima os utilizadores com base na informação geográfica) e resolveu experimentar a aplicação que usava em Londres: “Em Londres, quando aqui ainda não se tinha ouvido falar da aplicação senão uns burburinhos, o Tinder já era a grande metodologia para encontrar alguém; a maior parte das vezes sempre com o intuito de não ser algo sério. Mas em Portugal, a palavra não demorou a espalhar. Muitos casais começaram a aparecer, muitas amigas e amigos começaram a dizer ‘tenho um date com alguém que conheci no tinder, vamos ali ao café para conversar melhor’.”
Liliana reconhece que o Tinder ainda é alvo de “algum preconceito, maioritariamente por quem não entende bem essas tecnologias ou pelo medo que isso origina. Acho que a própria geração que primeiro adoptou a aplicação tem consciência do quão fácil e descartável a utilização dessas apps pode chegar a ser”.
Mas Liliana considera que tanto aplicações como websites orientados a conhecer pessoas “são métodos válidos: Pelo menos essas tecnologias dão uma plataforma na qual as pessoas podem conversar primeiro antes de tomar a decisão de se encontrarem”.
Além disso, acrescenta, o atual “estilo de vida dá-nos pouco tempo, e se houver algo facilitador e que nos ligue a alguém que tenha interesses em comum, não vejo por que não”.
Foi o que aconteceu no seu caso: “Quando nos conhecemos pessoalmente já tínhamos consciência das nossas ambições profissionais, daquilo que gostávamos e do sentido de humor que partilhávamos. O encontro em pessoa foi apenas uma adenda agradável – somos “millennials”, e sabemos muito bem que as fotografias por vezes não correspondem à realidade”.
Casar também nunca esteve nos seus planos, “mas quando o Joaquim me pergunta ‘queres casar comigo?’ (estava de pijama, a lavar os dentes, escova na boca, espuma por todo o lado – não houve anel, não houve ajoelhar, não houve lindo destino e encontro romântico antes. Foi só aquela questão num momento de conforto em casa), eu não consegui realmente encontrar razões para não o fazer.”
É verdade – é um casamento Tinder. Porque conheceram-se na internet. “Mas, de resto, toda a nossa relação tem sido como o iogurte: natural.”
Amor e Internet. Há 20 anos.
“Encontrámo-nos em 2000 e casámos há 17 anos. Os meus pais e os nossos filhos continuam sem saber que nos conhecemos na internet”, Sofia, 43, casada com Filipe António, 41 anos.
Muito antes do Tinder, havia o mIRC (Internet Relay Chat), uma plataforma usada nas organizações para comunicar e trabalhar. Sofia usou-a em 2000 para “passar o tempo. Não estava interessada em conhecer ninguém para fins românticos, nem pouco mais ou menos. A ideia era mesmo falar com pessoas, que podiam estar mais perto ou mais longe. Havia gente de todo o país a usar o mIRC. Mas quando me perguntavam em que cidade vivia, não respondia a verdade. Não tinha por hábito partilhar informação pessoal a meu respeito. Os tempos eram diferentes. E o acesso à internet também”, recorda.
Até que um dia, surgiu o Filipe António no círculo de pessoas com quem se cruzou na plataforma. E, conversa puxa conversa, Sofia apercebeu-se de que Filipe tinha um amigo que trabalhava no seu local de trabalho. “Fiquei verdadeiramente surpreendida (e aborrecida também, confesso)”, recorda. A coincidência acabou por proporcionar um encontro e Sofia cedeu ao convite, tomando a iniciativa de escolher o local: “tinha algum receio do que iria encontrar (afinal, nunca o tinha visto), e por isso combinámos ir ao cinema. Eu pensei: vamos para um sítio cheio de gente, para o caso de correr mal. E assim foi. Vimos o filme (não falámos nada, porque estávamos no cinema!) e depois cada um foi para sua casa. Sem mais conversas”.
O contacto à distância manteve-se. A Sofia, atraía-lhe “a possibilidade de poder ser eu, sem críticas, sem julgamentos de valor. A pessoa do outro lado não me conhecia, não tinha ideia sobre mim e era mais fácil falar por isso mesmo”.
Surgiram mais encontros e a relação saiu do online para a realidade, e mais tarde para o papel. “Estamos casados há 17 anos. Na altura, algumas ‘amigas’ criticaram o facto de ir casar com uma pessoa que tinha conhecido na internet. Pensei que o melhor era estar calada. E nunca contei aos meus pais. Hoje também não faria sentido contar”, refere.
E às crianças? “Não, eles não sabem. E provavelmente, a saberem, só quando forem adultos. Porque hoje, ao contrário do que se passava há uns anos, a comunicação, os encontros e até as relações vivem dos dispositivos eletrónicos. Os miúdos vivem através das mensagens, é assim que falam, que se relacionam e não precisam de mais incentivos para comunicar através de chats e afins. Preocupo-me muito. Acho que os miúdos hoje não têm noção dos perigos escondidos na net, talvez porque nunca viveram sem ela, e esquecem-se que o que vai para a net fica na net, não pode ser apagado. Já para não falar dos predadores, que por ali proliferam”, defende.
*Os nomes são fictícios, a pedido dos próprios
Foto: Free