Os Homens e os outros – Dia Mundial do Refugiado

Os Homens e os outros
Dia Mundial do Refugiado, 20 Junho

Por Magda Fernandes
Mulher, Mãe, Advogada. De bem com a vida.

 

Chama-se Miguel Duarte e tinha 24 anos quando, em 2016, se juntou a uma organização não governamental e partiu para alto-mar, tendo salvo 14 mil pessoas.

Recentemente, foi constituído arguido, arriscando uma pena de prisão de 20 anos, por suspeitas de crime de auxílio a imigração ilegal.

Podemos viver as nossas vidas, individualistas e egoístas, e não corremos grandes riscos.

Mas também não fazemos grandes feitos.

Depois podemos ser Miguéis. Mas ser um Miguel é raro. Implica deixarmos o conforto das nossas vidas e participar. O Miguel sentiu que tinha de participar de algum modo na crise dos refugiados. O Miguel sentiu que precisava de salvar e salvou, resgatou milhares de migrantes em estado de sofrimento e em risco de vida.

Há sentimento melhor do que este?

O Miguel podia estar a dar aulas, está em fase de doutoramento. Isso não interessa nada, na verdade.

O Miguel tem um coração que o impede de ficar indiferente ao drama dos refugiados. O Miguel foi apanhado a salvar vidas em vez de estar embrulhado em pareceres que lhe dariam uns bons milhares. O Miguel arrisca a prisão por alegado apoio a imigração ilegal. O Miguel estava num barco em vez de estar num belo apartamento do alto da sua cátedra. Mas o Miguel diz que faria tudo de novo.

Se continuarmos a penalizar os Miguéis desta vida, o que sobra? Só a triste constatação de que a lei vale mais do que a justiça. Há aqui algo de profundamente perverso num país cheio de corrupção e de vícios privados que se julga no direito de penalizar quem quer salvar. E não o digo do alto da minha humanidade. Embora hoje me sinta infinitamente maior do que a pesada mão dos julgadores italianos. Porém, as autoridades italianas acusam-no da prática de crime. E todos sabemos e entendemos o que está por detrás desta acusação.  Política e apenas política. Não posso acreditar que seja a aplicação cega da lei que move as autoridades italianas. Efetivamente não é.

Já a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece, no artigo 98º, estipula o dever de prestar assistência “a qualquer pessoa encontrada no mar em perigo de desaparecer”.

Portanto o Miguel não cometeu qualquer crime. Não passa, neste jogo político, de um peão.

Embora a sua vontade de fazer a diferença nos envergonhe a todos aqueles que vivem por detrás das secretárias, agora é o momento de, mesmo sem estar em alto mar, sermos Miguéis. Não nos sentirmos impotentes. Existe um fundo de apoio ao Miguel, que precisará de ajuda para se defender. Vejam por favor https://www.youtube.com/watch?v=ycnem4uXRHY , o slogan da campanha de angariação de fundos para defender os 10 arguidos do processo, lançada esta semana pela Humans Before Borders, plataforma de ação e sensibilização.

Vamos ser, na medida dos nossos mundos, Miguéis também.

 

Foto: HUMANS BEFORE BORDERS

 

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