“Hoje em dia um pastor terá de ter um espírito empreendedor e combativo”
Até ao ano passado ano letivo, Tânia Gonçalves, 36 anos, era professora a tempo inteiro de português e inglês. E seria na escola da Covilhã que estaria hoje, não se tivesse deparado com o anúncio da Escola de Pastores.
Como diz Tânia, ser pastor “é muito mais que pastar cabras”. E no caso de Tânia, a opção tem ainda valor sentimental. Ser pastor é também a oportunidade de se reencontrar com um doce passado da infância, altura em que saía da escola ansiosa por acompanhar o avô materno na pastorícia. “Recordo-me que, quando terminava de fazer os trabalhos de casa, ia ter com o meu avô e com as suas cabras”, lembra.
Atualmente, Tânia tem uma quinta e, na sequência da escassez de leite na região para a produção de queijos, entendeu que candidatar-se à Escola de Pastores poderia ser uma oportunidade de cruzar raízes com o desafio de uma nova atividade profissional. Julgou que não seria aceite, pelo facto de não apresentar experiência na área. Mas o júri integrou-a no grupo e Tânia despediu-se dos alunos.
Há quem lhe tenha perguntado se enlouqueceu. Mas a família mais próxima está do seu lado: “os meus filhos têm 5 e 2 anos e só dizem que querem ir para o trabalho da mãe”, conta.
O curso é uma aprendizagem extraordinária. Mas é também um álbum de memórias: “costumava ver o meu avô fazer o aparamento dos cascos, ou seja, cortar as unhas das cabras e não percebia por que fazia ele aquilo. Agora já entendo a razão. Na Escola de Pastores, aprendemos que cortar as unhas das cabras é essencial para o seu bem-estar e postura, o que se vai reflectir numa melhor reprodução e também na qualidade do leite”. Ser pastora é a melhor homenagem que pode fazer ao seu avô Rui.
Manuela Matias (na foto destaque), na Escola de Pastores aos 50 anos
Na Quinta da Filhadeira Lavacolhos, no Fundão, produz-se azeite e 10 a 15 queijos por dia, cuja quantidade mal chega para as encomendas. Aqui trabalha Manuela Matias, com formação superior em agronomia, juntamente com o marido. E, no tempo que sobra das aulas da universidade, também a filha dá uma ajuda. Consciente de que a agricultura é uma área em constante mudança, Manuela decidiu inscrever-se na Escola de Pastores e continuar a preservar a tradição da produção de queijo.
São mais de 100 cabras para pastar e cuidar, pelo que a Escola de Pastores veio implicar alguma logística adicional. “De manhã, ordenho e oriento tudo na quinta às 5h30, para que o meu marido depois possa fazer o queijo”. Manuela tem 50 anos.
Em Espanha já existem Escolas de Pastores, mas em Portugal, a ideia é pioneira. A Escola de Pastores quer fixar novos empreendedores que se pretendam dedicar à produção de leite para o fabrico de queijo com Denominação de Origem Protegida. O objetivo é rejuvenescer o setor e incrementar a produção.
Este projeto está integrada no projeto Programa de Valorização da Fileira dos queijos da Região Centro e é liderado pela Inovcluster – Associação do Cluster Agro-industrial do Centro, que responde às seguintes questões:
Como correu a adesão à Escola de Pastores?
O período de inscrições terminou a 23/08/2019 com uma adesão de 126 candidatos a superar as expetativas.
O que poderá significar este número de candidaturas?
O número de candidaturas verificadas poderá ser sinónimo de esperança para este setor de atividade e também para o interior do país. Transmite a confiança necessária para garantir a preservação dos saberes e tradições ligadas aos produtos endógenos de cada região, acrescentando-lhes o valor que lhes é merecido. Neste caso o queijo com Denominação de Origem Protegida da Região Centro.
Qual a importância desta profissão para Portugal?
Embora seja uma profissão que enfrenta nos dias de hoje grande debilidade, representa grande importância para o país e sobretudo as regiões em questão.
A continuidade desta atividade garante a sustentabilidade de toda uma fileira que é vital para a dinamização da economia e cultura das regiões abrangidas pela iniciativa.
Em que consistirá o programa de formação?
Esta formação pretende que os formandos adquiram o máximo de conhecimentos técnicos ligados ao setor. Nesse sentido, estão contemplados na formação módulos de maneio sanitário, maneio reprodutivo, maneio alimentar, pastagens, forragens e silvopastorícia, ovinicultura e caprinicultura e finaliza com gestão da exploração.
Quanto irão receber os pastores? E em que região irão atuar?
Os candidatos que frequentarem a escola de pastores e que concluírem a sua formação com sucesso terão oportunidade de se candidatar a um prémio monetário, “vale pastor”, no valor de cinco mil euros.
A Escola de pastores ao integrar o Programa de Valorização da Fileira dos Queijos da Região Centro abrange três áreas geográficas específicas: Região com denominação de Origem protegida da Serra da Estrela, da Beira Baixa e do Rabaçal.
Existem candidatos sem experiência?
O leque de candidatos é diversificado, desde candidatos sem qualquer tipo de conhecimento a outros que têm alguma familiaridade com a atividade por herança familiar. A faixa etária varia entre os 65 anos, para o candidato mais velho e os 17 anos, para o candidato mais novo.
Hoje em dia um pastor terá de ter um espírito empreendedor e combativo, com capacidade de adquirir novas competências, de se modernizar atingido melhores índices de produção e rendimento e fazer assim com que esta atividade seja mais reconhecida e dignificada.
Esta é uma profissão em vias de extinção? Têm estatísticas quanto aos números de pastores existentes em Portugal?
Pode considerar-se uma profissão em vias de extinção na medida em que a quantidade de leite produzido, especificamente em cada uma das três regiões abrangidas pelo projeto, não é suficiente para garantir produção de queijo com denominação de origem protegida que dê resposta à procura tanto no mercado nacional como no mercado internacional.
Dispomos de dados relativos à região centro no que respeita à produção de leite para fornecimento de queijarias que fabricam queijo com DOP.
210 produtores de Leite na região DOP da Serra da Estrela
118 produtores de Leite na região DOP da Beira Baixa
20 produtores de Leite na região DOP RABAÇAL
Qual o programa de formação?
Esta iniciativa tem duração de quatro meses a iniciar a 23 de setembro de 2019.
Tem uma carga horária de 560 horas, distribuídas em 150 horas de componente teórica e 410 horas de componente prática. As aulas teóricas serão ministradas na Escola Superior Agrária de Castelo Branco para as regiões DOP da Beira Baixa e Rabaçal e na Escola Superior Agrária de Viseu para a Região DOP da Serra Da Estrela. As aulas Práticas decorrerão em contexto de Trabalho em explorações agropecuárias dos concelhos de Castelo Branco, Fundão, Penela, Oliveira do Hospital, Gouveia e Viseu.
Pretende-se que no final da formação os formandos se instalem de forma efetiva na atividade da Pastorícia com objetivo de produção de leite que corresponda às especificações definidas para a produção de queijo com DOP.