Há notícias que não podem passar despercebidas. Esta vitória aconteceu há semanas, no final do ano passado (outubro 2019). Aconteceu tarde. O casamento prematuro expõe as raparigas a doenças graves como HIV/SIDA, e aumenta a mortalidade maternal e infantil. O casamento prematuro tira as raparigas da escola antes do tempo. O casamento prematuro é uma tradição em Moçambique (afetando quase uma em cada duas raparigas), país com uma das taxas mais elevadas de casamento prematuro do mundo. E nós não devemos seguir nenhuma tradição que vá contra os direitos humanos. Esta lei aconteceu tarde. Mas aconteceu. E não pode passar despercebida.
“Foi promulgada a Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, pelo Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, na segunda-feira (14).
A referida lei já havia sido aprovada pela Assembleia da República no mês de Julho de 2019, faltando ainda a sua promulgação.
Este acto é um marco histórico para as organizações da sociedade civil moçambicanas e internacionais que trabalham na área de promoção e protecção da criança em Moçambique.
Nasce agora uma nova etapa e desafios para o governo e parceiros no que concerne a divulgação e disseminação desta lei para que a toda a população possa conhecer e proteger as raparigas contra as uniões prematuras.
Mudar somente as leis não vai acabar com as uniões prematuras, é preciso também mudar as condições, atitudes e comportamentos da população, e vamos continuar a trabalhar arduamente para tal.”
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A história do casamento prematuro da Mariamo, retratada pela UNICEF
“Depois de ter feito os ritos de iniciação*, os meus pais me aconselharam a casar. Eles disseram que eu teria uma vida melhor, que o meu marido iria dar-me tudo o que eu quisesse. Eu queria obedecer aos meus pais, e então casei-me. Eu tinha 14 anos,” diz Mariamo Omar Ambasse Age, de 17 anos de idade.
Mariamo nasceu no distrito de Angoche, na província de Nampula. Vive numa comunidade pequena, a casa é de construção precária e quando chove a água da chuva entra dentro de sua casa. Tem uma família grande, composta por 3 irmãos e 3 irmãs. Mariamo é a menina mais nova da família. Os seus pais sobrevivem da agricultura e pesca, a sua mãe trabalha numa “machamba” familiar e o seu pai é pescador.
Mariamo gosta muito de estudar, e sonha em ser uma advogada, sonho este que foi interrompido quando frequentava a 10ª classe, quando os seus pais a convenceram a casar-se com um homem de 36 anos com a perspectiva de melhorar a sua vida e da família.
“Eu pensava que fosse ter uma vida melhor depois de casar, que não ia faltar comida, mas havia dias que não tinha o que comer e nem sabia o que iria comer no dia seguinte. O meu marido não me disse para parar de estudar, mas fui obrigada a deixar a escola para poder trabalhar e ajudar a sustentar-nos. Eu vendia amendoim na rua e com o pouco dinheiro comprava comida,” lembra Mariamo do tempo em que era casada.
Certo dia Mariamo escutou na Rádio Comunitária de Parapato um programa sobre casamentos prematuros. “Eu não sabia o que eram casamentos prematuros, não sabia que eu estava num. Ao escutar na rádio eu soube que era errado, e o que fazer para sair do meu casamento”.
Mariamo decidiu contactar a responsável do programa de rádio e contou a sua história, “a senhora Arminda da rádio perguntou-me se eu queria sair do meu casamento, e eu disse que sim, porque queria voltar a estudar.” A rádio levou a Mariamo ao Gabinete de Atendimento da Mulher e da Criança em Angoche e chamou os seus pais. “Perguntaram aos meus pais o que eles ganharam em casar-me criança, e os meus pais disseram que não tiveram benefícios, só queriam que eu vivesse uma vida melhor, não sabiam que ia sofrer. Eles disseram que estavam arrependidos e gostariam de me ver de volta à escola.”
A Rádio Parapato e o Gabinete ajudaram Mariamo a sair do seu casamento e a voltar à escola, deram-lhe também material escolar porque os seus pais não tinham condições.
Hoje Mariamo está a concluir a 11ª classe, e quer ser advogada. “Quero ser advogada para poder ajudar as crianças a defender os direitos delas, e evitar que outras meninas passem pelo que eu passei, porque já estou cansada de injustiça.”
A Rádio Parapato ajudou 7 meninas a saírem de casamentos prematuros e a sonhar com um futuro melhor. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) tem apoiado, através do Fórum Nacional de Rádios Comunitárias (FORCOM) e do Instituto de Comunicação Social (ICS), na produção de programas radiofónicos semanais em Português e nas línguas nacionais em cerca de 60 rádios comunitárias, incluindo a Rádio Parapato. O UNICEF também apoia na produção de programas de rádio de Criança-para-Criança, que são programas de rádio concebidos e produzidos por crianças para crianças, plataformas importantes para a participação e engajamento delas.
“Eu acho um pesadelo casar enquanto criança. Para as meninas que estão casadas, eu peço que não deixem de lutar pelos seus sonhos, peçam ajuda e saiam do vosso casamento. Não abandonem a vossa educação, o vosso futuro depende dos estudos. Quero agradecer a Rádio Parapato por ter-me ajudado a voltar a sonhar,” concluiu Mariamo com um olhar determinado.