Sohrab e Léon

O pai que dá as estrelas ao filho

Crónica, Por Dulce Machado*
Professora e Voluntária em Campos de Refugiados

Deixem-me contar-vos uma história. Já todos ouviram falar do Sohrab e da sua família. Sohrab, o refugiado que um dia já foi um jogador profissional de futebol e que teve que fugir com a sua mulher Fatemeh por amor. Desse amor, nasceu o bebé Léon. Conheci-os em agosto no Campo de Refugiados de Moria. Ficámos mais do que amigos, ficámos uma família. O Sohrab e a Fatemeh tratam-me por ” our beautiful sister”. E, na verdade, já somos como irmãos. O sonho desta família é vir para Portugal, querem mesmo viver e refazer as suas vidas aqui. Desde que cheguei de Moria, tenho feito tudo para os trazer e não vou desistir até conseguir. O Léon faz um aninho no final de junho e eu sei que o sonho destes pais é que ele possa festejar o seu primeiro ano de vida fora de um campo de refugiados.
Mas, vamos à minha história. Numa altura em que o mundo inteiro se encontra “fechado”, em quarentena ou em isolamento social dentro das suas casas, nos Campos de Refugiados também eles continuam fechados e ainda mais isolados do mundo. Contudo, convém não esquecer que as ” suas casas” são contentores,tendas ou até simples colchões. No pequeno contentor onde vive a família do Sohrab há uma janela. Uma simples janela. Mas, para eles e principalmente para o bebé Léon essa janela é mágica. É como se fosse uma espécie de portão para o mundo. O Léon passa muito tempo na sua janela, os seus pequenos grandes olhos veem outros contentores, outras famílias refugiadas, outras crianças que, tal como ele, desejam viver em liberdade. À noite, antes de dormirem, quando já não há ninguém, Sohrab leva Léon a ver as estrelas. É o momento deles. O momento onde Sohrab diz a Léon que todas as estrelas do céu são dele. Que lhe pertencem. Léon sorri com os seus 3 dentinhos que lhe nasceram recentemente e abraça o pai como se entendesse o que este lhe diz. Sohrab conta–lhe histórias através das estrelas cintilantes. Conta-lhe como era a noite no Afeganistão, as travessias duras que tiveram que fazer para fugir da morte, o primeiro beijo dos pais, as suas vitórias, o seu nascimento no Campo de Refugiados de Moria. Explica-lhe que cada estrela que ele vê no céu são anjos que os protegem. São asas que os irão levar, um dia, para fora do Campo. Léon adormece nos braços de Sohrab com o maior sorriso do mundo, sonha certamente que está a voar em cima de uma estrela. Sohrab chora sem o filho ver. De tristeza, sente o coração apertado, mas, também chora de alegria por ver o filho a adormecer feliz. Sohrab contou-me esta história e disse-me que como não pode, ainda, dar uma vida melhor ao filho, então dá-lhe tudo o que não se pode comprar mas que vale muito mais, como as estrelas.
Hoje à noite, quando estiverem nas vossas casas e olharem pelas janelas pensem que, apesar de fechados, continuam livres. Mas, lembrem-se, também, que o melhor da vida está ao alcance de todos. Sorriam, amem, olhem as estrelas e sejam felizes!

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