Vai correr bem, diz Joana Capucho – os seus dois filhos estão de regresso à escola. Prefiro a loucura do teletrabalho e ter as minhas filhas saudáveis em casa, diz Joana Carvalho – as suas três filhas não vão voltar. Não estou nada tranquila, diz Marta Aragão Pinto, 4 filhos, perante o regresso da mais velha.
Hoje regressam muitas crianças à escola, de acordo com o plano de regresso à normalidade apresentado pelo Governo e que estipulou a abertura do pré-escolar para o dia 1 de junho.
Termina hoje também o apoio o apoio concedido aos pais pelo encerramento de escolas que prevê uma partilha de “responsabilidade” do Estado e do empregador no pagamento do salário (66%) dos pais com filhos menores de 12 anos. Mantém-se apenas o apoio para os pais de crianças a frequentar o ensino básico até 26 de junho, altura em que se iniciam as férias escolares.
As orientações dos ministérios da Educação e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social preveem normas de segurança semelhantes àquelas que foram aplicadas às creches (abertura a 18 maio).
Ainda assim, a questão do regresso às aulas não é consensual para todas as famílias. Recolhemos três testemunhos de mães com 2, 3 e 4 filhos. O desafio do teletrabalho, a necessidade de desconfinar e a falta de plano B estão entre as motivações para o regresso.
“Vai correr bem”, diz Joana Capucho, mãe de 2 crianças, ambas de regresso hoje à escola
Joana é mãe de duas crianças, uma de ano e meio que regressou à creche, na semana passada, e a mais velha, de seis anos, ainda no pré-escolar, que acaba de voltar à escola. Joana considera que não há soluções perfeitas e explica-nos os motivos da sua opção, no que respeita ao regresso à escola: “Por um lado, sentíamos (particularmente na minha filha, a mais crescida) que a socialização fazia falta. As saudades apertavam muito. Mas acima de tudo, apercebemo-nos que, por termos os dois de trabalhar (de casa), estávamos a privar os nossos filhos do direito de brincar, na rua, ao ar livre e aproveitar a sua infância. Por outro lado, cumprimos religiosamente as nossas obrigações de confinamento, conforme as orientações do Governo, mas também compreendemos agora a necessidade de começar, com prudência, a desconfinar”.
Joana refere que “o vírus, parece estar para ficar, e começámos a achar que, se era para nos adaptarmos a um ‘novo normal’, mais valia começar a fazê-lo o quanto antes”.
Até aqui, Joana recorda que tem vivido um desafio: “somos dois pais a trabalhar – de forma muito intensa – de casa, desde que tudo começou… E conciliar isso com dois filhos em idades tão pequenas não foi nada fácil. Dizemos que foi um caos feliz – houve dias menos bons, mas também dias em que sentimos que conseguimos ser produtivos e aproveitar ao mesmo tempo para acompanhar os nossos filhos de uma forma única. Mas não deixa de ser ingrato – eles percebem que estamos a trabalhar, nós distraimo-nos com eles, as pausas no trabalho têm de ser muitas… repetindo, foi um caos feliz”.
Nesta decisão, pesaram ainda as orientações recebidas por parte da escola: “temos a sorte de ter o nosso filho numa creche, que é pequena e onde ainda estão apenas quatro crianças. O facto de serem poucos, de terem reforçado as medidas de higiene, definindo uma zona de sujos e limpos, com desinfeções mais recorrentes, pesou muito. O mesmo aconteceu na escola da mais velha”.
Pesou ainda na decisão a falta de um plano B: “Os avós ou estão a trabalhar ou estão longe… Por isso, ou ficávamos em casa como estivemos até agora ou começávamos, devagarinho a desconfinar”.
Joana confessa que, ainda assim, o coração apertou um pouco. Até porque o regresso implica outra decisão paralela: “pelo menos, para já, não vamos poder visitar os avós… Ninguém no nosso agregado mais próximo é de risco, mas achámos mais sensato proteger os mais velhos”.
“Elas não vão regressar”, diz Joana Carvalho, mãe de 3 meninas
Hoje, dia 1 de junho, abriu a escola das suas filhas mais novas, de 4 anos, mas a decisão está tomada: as gémeas não vão regressar este ano letivo à escola.
“O motivo que me faz tomar a decisão de não regressarem, deve-se ao facto de ter receio que elas apanhem o vírus, o qual está provado que tem provocado alguns casos da Doença de Kawasaki, que é bastante grave e também que fiquem com alguma sequela do próprio vírus. Além disto, tenho medo que possam transportar o vírus para dentro de casa, pois além de elas serem prematuras, eu e a minha filha mais velha temos rinite e vivemos em casa dos meus pais, que são ambos pertencentes ao chamado grupo de risco, não só devido à idade, mas também por motivos de saúde enquadrados nos que estão provados que agravam o COVID-19: cancro, diabetes, hipertensão e problemas cardíacos”.
A mãe Joana está certa de que a escola frequentada pelas filhas adotou todas as medidas possíveis para minimizar os riscos de contágio, “mas com crianças tão pequenas, é impossível garantir a segurança e os cuidados necessários”, defende.
Joana é professora e até 26 de junho, estará em teletrabalho, uma situação para a qual tem sido necessário bastante energia: “Vale-me a preciosa ajuda da minha mãe e do meu irmão (que também vive connosco). As pequeninas são gémeas e têm muitíssima energia, como tal, por vezes, não é fácil gerir tudo, mas prefiro a minha loucura e elas estarem saudáveis e não haver vírus em casa. Sei que o facto de as crianças estarem isoladas não é positivo para elas e preocupa-me muito, mas, no caso das minhas filhas, como são gémeas brincam as duas (ou fazem disparates as duas) e, sempre que o tempo permite, vamos com elas até ao terraço (só nós temos acesso a ele) e lá correm, saltam, brincam, andam de triciclo e bicicleta, além de apanharem ar fresco. Mesmo assim, estou com atenção a possíveis sinais de alerta que demonstrem mal-estar com esta situação, mas até agora não revelaram qualquer sinal”.
“Não estou tranquila”, diz Marta Aragão Pinto (4 filhos), perante o regresso à escola da filha mais velha (17 anos)
Marta foi recentemente mãe pela quarta vez e, quando “rebentou” a pandemia, tinha acabado de aceitar um desafio profissional: “ser sócia e Directora Executiva do Estúdio Criativo de Comunicação Ofélia. Estávamos a fechar imensos projetos quando viemos todos para casa. Passadas as primeiras semanas de adaptação, percebemos que não eram precisas várias calls diárias para o trabalho ser feito. Era mais uma vez uma questão de organização. Telefonemas só para assuntos mais urgentes. Fazíamos propostas a pensar no dia a dia, mas também no regresso. E os clientes aderiram”. De casa, lançaram três campanhas de ajuda às empresas: “A Campanha Brand Helper que presta durante um mês o serviço de comunicação digital a uma marca e a marca só tem que pagar em Setembro, os kits de regresso à vida social, para clientes e colaboradores e o Pack Restart, um pacote financeiro e de comunicação para as empresas que se querem reinventar e reerguer”.
Tudo isto com um bebé e três filhas em aulas à distância. O milagre da multiplicação foi feito “sem dramas e com muita organização. Nas primeiras semanas ainda imprimi horários, estava atenta aos emails e grupos de mãe, mas rapidamente percebi que tenho as filhas mais responsáveis do mundo. Deixei de ter que controlar. Fazia jantar a contar com o almoço do dia seguinte. Ao jantar, estávamos obrigatoriamente todos juntos, porque embora todos na mesma casa há sempre histórias para contar. Acho que o que me enervou mais foi a falta de internet de vez em quando…isso, sim, tirava-nos a todos do sério”.
Nas pausas, Marta aproveitava para dedicar-se ao bebé, e ao som de uma chamada mais urgente, “era uma correria para o deixar ao colo de uma das minhas filhas a terem aula, enquanto eu corria para outra divisão, para atender o telefonema”.
O bebé vai continuar por casa. As duas filhas do meio não voltarão às aulas presenciais neste ano letivo. Apenas a mais velha está com aulas de preparação para o exame de ingresso à universidade.
“Não concordo com nada, nem estou tranquila. Deviam ter arranjado outra solução. Ir à escola uma vez por semana, para uma ter uma hora de aula a meio do dia, não só é uma logística de transporte que não faz sentido, como é correr um risco completamente desnecessário”, refere Marta.
A mãe Marta acrescenta que “este devia ser dos melhores anos da vida dela. Não vai ter baile de finalistas, teve que adiar tirar a carta de condução e, como se não bastasse, em vez de ficar de férias como toda a gente, adiaram os exames de ingresso à universidade, prolongando assim o estudo e a preocupação”, destaca.
Foto: Tanaphong Toochinda Unsplash.