Conheço bem o trabalho da jornalista Cláudia Rodrigues. Dos muitos anos em que trabalhámos juntas, lado a lado, em televisão. Mas não é isso que me leva a recomendar este livro. À parte da amizade e do respeito profissional que temos uma pela outra, este livro vale por si. Elogio a ousadia da Cláudia em cruzar aqui a investigação criminal e destaco as cartas, as fontes escritas, reais e factuais, como uma mais-valia deste livro, movido pela “extraordinária capacidade que as mães possuem de levar tudo à frente por causa de um filho”.
Cláudia Rodrigues, Sessão de Autógrafos hoje, 5 setembro, às 19h15 na Feira do Livro, Lisboa.
Cláudia, já escreveste milhares de histórias para televisão e já terão passado pelas tuas mãos casos de vidas muito surpreendentes.
Porquê a Fernanda. Porque este é um livro baseado em factos e personagens reais…
A história da Fernanda veio-me parar às mãos há cerca de 20 anos, ou seja, um pouco depois da morte do filho (fez, este ano, 21 que ele morreu). Acompanhei o caso num contexto, meramente, profissional. Contudo, não pude deixar de ficar indiferente à força da Fernanda e à sua enorme convicção de que o filho não poderia ter-se suicidado. Fui assistindo ao desenrolar dos acontecimentos, aos sucessivos arquivamentos do caso e respectivas reaberturas, todas elas graças à persistência desta mulher que tem apenas a antiga quarta classe e que, na altura em que perdeu o filho (único) teria pouco mais de 50 anos. Tocou-me, enquanto jornalista, que as autoridades não tivessem investigado o caso a fundo, partindo, desde o início, da premissa do suicídio. As provas que a Fernanda reuniu são avassaladoras.
Há uns 12 anos, depois do caso ter sido arquivado mais uma vez, decidi que, se um dia escrevesse um livro, um romance, ele seria baseado em factos reais e sobre este caso. Na altura, não fui muito longe no manuscrito. E ele ficou parado até agora. Sendo que acabei por não aproveitar nada do que escrevi naquela época. Reformulei a parte ficcionais toda, a começar pelo narrador.
O livro tem elementos invulgares, que completam a narrativa: cartas, documentos de investigação. São verdadeiras as fontes?
Todos os documentos presentes em A Espera De Fernanda são genuínos. São documentos que constam do processo original. Inclusivamente a descrição de como o Fernando, o filho de Fernanda, estava quando foi encontrado pelas autoridades é fiel. O carro encarnado também existe. E algumas das testemunhas existem, embora lhes tenha dado um carácter ficcional. Dei-lhes (ou tentei…) um carácter mais literário.
Escrever um livro é uma aventura. Quais foram as tuas maiores aventuras ao escrever o teu primeiro livro? Sofreste o drama da “folha branca”?
Comecei a escrever o livro em junho do ano passado. Felizmente, todo o processo de pesquisa e análise do processo estava feito (foi feito ao longo destes últimos 21 anos, no âmbito da minha actividade como jornalista). Como trabalho muito, inclusivamente, ao fim de semana, dediquei-me ao livro em todos os serões, entre junho do ano passado e fevereiro deste ano.
Não sofri desse clássico drama da página em branco por, creio eu, estar a escrever sobre uma matéria real. Mas não foi fácil conciliar tudo, embora me tenha desafiado imenso.
Quem é que escreve este livro: a jornalista ou a escritora? Ou ambas, alternadamente? 😊
Quem escreve este livro é a jornalista Cláudia Rodrigues que não é escritora. É verdade que a minha actividade, enquanto jornalista e produtora de televisão, me “obriga” a escrever todos os dias. Contudo, a escrita jornalística – sobretudo em audiovisual – é totalmente diferente da escrita dos romancistas.
Este livro é escrito por uma jornalista que adora ler desde sempre. Optei por assinar usando o meu primeiro nome próprio, precisamente porque o livro é um projecto pessoal.
Escreveste este livro com que propósitos? Existe aqui uma mensagem que gostarias de passar?
A Diana Garrido, da Suma de Letras desafiou-me para escrever este livro. E a história da Fernanda estava ali num canto da minha memória. Uma promessa feita a mim e a ela, à espera de melhores dias.
Escrevi este livro por duas razões: move-me a verdade dos factos. E comove-me a extraordinária capacidade que as mães possuem de levar tudo à frente por causa de um filho.
Embora tenhas feito carreira na televisão, passaste antes pela imprensa (DN), que sempre foi uma paixão. Que autores mais inspiraram a tua escrita e o teu gosto pela escrita?
A minha carreira enquanto jornalista aconteceu na TV por acaso. Mas passei também pela Rádio. Em qualquer meio, a escrita é essencial. E a leitura, claro. Leio o mais que posso. Gosto de muitos, muitos autores mesmo. Gosto muito de Rosa Montero, gosto de Michael Cunningham, gosto da Dulce Maria Cardoso, gosto do Peixoto, gosto do (Guilhermo) Cabrera Infante, também gosto muito da (Elena) Ferrante, do Bret Easten Ellis, do (Jorge Luís) Borges. São muitos mesmo. Devo ao meu pai o gosto pela leitura. E ao meu sócio Artur também, já que tem sido com ele, ao longo de mais de 20 anos, que tenho conhecido muitos e “novos” autores.
Neste momento estou a ler As Cinco Travessias do Inferno, da Martha Gellhorn (uma mulher extraordinária que tem estado na sombra por ter sido casada com o Hemingway, mas que foi a mais intensa repórter do século XX). Tenho ainda reservados um do Manuel Vilas, a Margarida Espantada, do Rodrigo Guedes de Carvalho, a Resistência, do (Julián) Fuks e outros.
O último livro que leste e que te tenha marcado pela positiva?
Tenho lido vários. Gostei muito das crónicas que a Ferrante publicou no Guardian: A Invenção Ocasional. Li-o há quase um ano, mas assim de repente, lembrei-me dele porque estamos a falar do livro que estou a lançar e de como gostaria de escrever como ela. Também gostei muito do Pátria, do Fernando Aramburo porque retrata a história de duas famílias, sob o ponto de vista de duas mulheres, também elas mães, amigas desde sempre, mas que o conflito armado no País Basco separa. As mulheres são sempre excelentes protagonistas. É difícil falar de livros , de dizer quais se gostam e porquê. Porque quando lemos, não somos indiferentes à nossa própria pele. Metemo-nos nos livros e cada um de nós “mete-se” lá dentro de acordo com as próprias idiossincrasias.
Por fim, que conselho deixarias aos jovens jornalistas que estão prestes a entrar agora na Universidade?
Aos aspirantes a jornalistas, repetirei o que, há quase 30 anos, o Adelino Gomes disse à frente da minha turma – éramos 30 estudantes e seríamos a primeira fornada de licenciados em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra – quando visitámos as instalações da RDP nas Amoreiras, em Lisboa. “Para serem bons jornalistas, teriam de tirar todos os cursos que existem em Coimbra.” O jornalismo não se aprende com cursos. O jornalismo aprende-se com a vida.