Livrarias permanecem abertas ‘para preservar saúde mental’.
No primeiro confinamento, as livrarias fecharam na Bélgica, à semelhança de outros espaços, nomeadamente os de restauração. Mas há cerca de um mês, quando os números (à data, foram confirmadas 549,6 infeções por 100 mil habitantes) posicionaram a Bélgica – que tem 11 milhões de habitantes – como o segundo país com a maior incidência de casos de covid-19 na União Europeia, o país voltou a decretar o recolher obrigatório, encerrou cafés e restaurantes, deixando desta vez as livrarias abertas, para “preservar a saúde mental dos belgas”.
Além da França, a Bélgica é dos poucos países que adotou esta medida, apesar das rigorosas decisões impostas pelo confinamento.
“Ler é uma terapia”, concorda Susana Pratt, uma das 10 voluntárias da livraria La Petite Portugaise, a única livraria portuguesa em todo o país. Susana fala-nos de um fenómeno que associa ao confinamento: o aumento das vendas. “Desde agosto que a procura de livros subiu. Pessoas que compravam um livro passaram a comprar cinco, seis. Querem ter reserva em casa, em tempos de pandemia”, refere. Numa primeira fase, a subida aconteceu na loja online, improvisada na sequência do encerramento dos estabelecimentos. Agora, sendo o livro considerado um produto essencial, as livrarias estão abertas e as vendas continuam a crescer. “As pessoas vêm à procura de um livro, mas também do contacto humano. A visita à livraria é também um pretexto para conversar”, salienta.
Noventa e nove por cento dos livros estão em língua portuguesa e, neste espaço, o português é a língua oficial. A livraria representa, para Susana, que é casada com um francês, a única oportunidade de praticar a sua língua-mãe. “Há cerca de quatro anos, fechou a única livraria portuguesa que existia em Bruxelas. E eu pensei: ‘tenho que fazer alguma coisa.'”, recorda. Assim nasceu a La Petite Portugaise, sem fins lucrativos (todo o lucro é investido na compra de livros).
Um dos bestsellers é a versão portuguesa de O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry. “Fiquei a descobrir que há muitos colecionadores deste livro em várias línguas”, revela.
La Petite Portugaise é um autêntico ponto de encontro: “No verão, uma professora portuguesa veio comprar todas as gramáticas de português da livraria. Queria que a filha aprendesse a língua. Recordo-me ainda de um senhor que aqui entrou e que falava um português perfeito, embora com um ligeiro sotaque. Perguntei-lhe qual a sua nacionalidade: era escocês. Tinha-se apaixonado pela língua durante uma missão, na Guiné Bissau. Também destaco o grupo de jovens que nos fez uma visita, porque uma delas estudava português em Inglaterra. É tipicamente português o facto de ficarmos surpreendidos com pessoas que, em todo o mundo, gostam da nossa língua. Mas é verdade”, conta-nos Susana, que trabalha na Comissão Europeia.
“Aqui em Bruxelas, além da nossa livraria, existe uma grande e outras três de menor dimensão. Já em Lisboa, do que conheço, são várias livrarias e alfarrabistas, apesar de muitas antigas livrarias terem desaparecido na Baixa. Portanto, mais uma falsa ideia que nós, portugueses, temos de nós próprios, e que precisamos de corrigir: em Portugal talvez não se leia muito, mas há muito mais livrarias do que na Bélgica”, conta.
Fantástico onde os livros nos levam. Sem podermos viajar, hoje fomos até Bruxelas.