Crónica Susana Almeida

“Podia ter sido eu”, Crónica de Susana Almeida, autora do Blogue “Ser Super Mãe é uma Treta”

Crónica de Susana Almeida, autora do Blogue “Ser Super Mãe é uma Treta”. Sobre o doloroso caso da bebé de dois anos, que morreu após ter sido deixada no carro, em Lisboa

Quando li a notícia daquela mãe, que numa hora negra, se esqueceu da filha dentro do carro, o meu primeiro pensamento foi “Podia ter sido eu.”

Podia ter sido eu quando vivi anos a dormir mal, a acordar quatro e cinco vezes na mesma noite, podia ter sido eu quando a privação do sono me transformava o cérebro em papa e eu mal sabia quem era, podia ter sido eu quando chegava ao trabalho em piloto automático e picava o ponto sem fazer puta de ideia de como lá tinha chegado, podia ter sido eu naquelas manhãs infernais em que o meu marido viajava e que depois de uma noite, igual a tantas outras antes dessa, eu corria desenfreada a deixar os miúdos na escola para não perder o barco, podia ter sido eu quando o sono extremo e o cansaço de ter dois filhos com idades tão próximas me levou, mais do que uma vez, à beira de um esgotamento. Podia ter sido eu envolta nas rotinas, nos pensamentos, nas responsabilidades, nas merdas para fazer, nas chatices do trabalho ou das contas para pagar, podia ter sido eu a controlar um ataque de pânico, a ansiedade, podia ter sido eu, num dia igual a tantos outros, numa hora negra … ainda bem que não fui eu.

Aquela mãe não precisa de julgamentos, nem de acusações. Acreditem, ela já o faz sozinha, ela já o fará sozinha para o resto da vida. Da não vida, porque aquela mãe morreu. Só ela saberá o quanto lhe custa viver, abrir os olhos e respirar. E sobreviver um dia atrás do outro. Ninguém sabe, só ela. Ela não precisa de carregar a nossa culpa, a culpa de uma sociedade que se pergunta como foi possível acontecer uma tragédia assim, ela não precisa das nossas certezas vazias em que como a nós isso nunca aconteceria. Ela precisa da empatia de uma sociedade que lhe diz não sabemos pelo que estás a passar, mas podíamos ter sido nós.

Ainda bem que não fomos nós.
É preciso parar, pedir ajuda, conhecer os nossos limites e não esticar a corda até rebentar. É preciso criar mecanismos de ajuda, estruturas de apoio, é preciso olhar para quem está ao nosso lado e oferecer ajuda. É preciso perguntar sem medo “O que posso fazer por ti?” É preciso criar a tal aldeia. Não julguem. Reflitam.

Comentários

comentários