Teolinda Gersão, O Regresso de Júlia Mann a Paraty

“Claro que sim, lembro-me bem, era uma excelente aluna!”, Teolinda Gersão

Foi minha professora de Faculdade. Recordo-me de Teolinda Gersão como uma mulher muito culta, madura, inteligente. A transbordar de História e de histórias, acumuladas por experiências literárias e vivências na Alemanha, Brasil, Moçambique. No Dia do Autor Português, a conversa com a minha Professora de Literatura Alemã, natural de Coimbra, é sobre um dos seus mais recentes livro: O Regresso de Júlia Mann a Paraty é uma delícia. Lembra-me por que nunca me esqueci das suas aulas. Fico feliz por também não se ter esquecido de mim.

“Lembro-me do desembaraço com que a Júlia falava ao microfone, quase como se fosse um divertimento, e de eu pensar, cheia de admiração: Como diabo é que esta miúda consegue ser tão segura e tão descontraída? (risos)”
Como surgiu a ideia de juntar no mesmo livro estas três “personagens”: Sigmund Freud, o pai da psicanálise; Thomas Mann, Prémio Nobel da Literatura em 1929; e a fascinante Júlia Mann?

A personalidade de Júlia Mann foi o motor do livro. Eu conhecia bem as obras dos seus filhos,  Thomas Mann e Heinrich Mann, onde por vezes surgem personagens inspiradas na figura da sua mãe. Mas a visão dos filhos, e a sua efabulação da realidade, não me bastavam, e a certa altura decidi ir directamente à procura de Júlia.

Nas investigações que fez para o livro, deparou-se com as memórias de infância de Júlia Mann. O que mais a surpreendeu nestas memórias?

A sua nitidez. Júlia tinha 52 anos quando as escreveu, mas lembrava-se exactamente de Paraty, da casa, do quintal-floresta e da praia, da casa dos avós na Ilha Grande, das figuras familiares da sua infância. Recorda-se de pormenores incríveis, sobretudo se pensarmos que ela tinha sete anos quando foi levada do Brasil para a Alemanha, onde foi entregue à família paterna, que vivia em Lübeck, de onde o seu pai alemão tinha emigrado vários anos antes.

Não há famílias perfeitas. Mas a de Freud também era particularmente “complexa”… Os seus ataques de fúria, a relação com a filha…

Falei disso de passagem, no lançamento do livro. Mas não foi sobre a família de Freud que escrevi. O centro de O Regresso de Júlia Mann a Paraty é a família Mann, muito complexa e cheia de conflitos. Não há famílias perfeitas, mas a família dos Mann era invulgarmente difícil.

Este é também um livro sobre a relação entre a psicanálise e a literatura? Podemos dizer que entre Mann e Freud, além de pontos comuns, havia também inveja?

A literatura, a psicanálise e a filosofia têm um objecto comum: a alma humana. Esse é um tema muito debatido e estudado, e é inegável que há entre elas muitos pontos de contacto.

Thomas Mann e Freud admiravam-se e respeitavam-se mutuamente, leram os livros um do outro e trocaram cartas, embora só se tenham encontrado pessoalmente uma única vez na vida.

É plausível que Thomas Mann tenha desejado muitas vezes “desabafar” com Freud sobre os seus muitos conflitos, sobretudo sobre a sua homossexualidade recalcada e escondida.

Acredito que Thomas pensou muito mais vezes em Freud do que Freud nele. É possível que houvesse alguma inveja – Thomas vê em Freud uma autoridade, muito mais apta do que ele a entender conflitos interiores, e é possível que Freud, que ganhou o Prémio Goethe, como escritor, ensaísta e cultor da língua alemã, também invejasse Thomas por ter ganho o Nobel, que ele próprio desejava para si, na Medicina.

Este novo romance coincide com 40 anos de carreira. Fale-nos da sua escrita, dos hábitos… Qual a altura do dia em que mais gosta de escrever, em que espaços?

Não saberia viver sem escrever, é uma actividade natural em mim.  Na verdade, acabo por conseguir escrever a qualquer hora, e em qualquer lugar.

Idealmente, prefiro a noite, e o absoluto silêncio.

Mas já escrevi em cafés e bibliotecas, e até em lugares inóspitos como aeroportos.

Tenho uma grande capacidade de me concentrar, num café ruidoso. Penso que nada do que se passa em volta tem a ver comigo, e deixo de ter a noção muito clara do espaço onde estou.

Só começa um novo livro quando o anterior está terminado ou sucede escrever livros em simultâneo?

Pode acontecer que, durante um livro longo, interrompa para escrever um ou outro conto, mas logo regresso ao trabalho anterior.

Leitura: pode partilhar connosco um livro que a tenha marcado recentemente e o qual lhe tenha especial prazer ler?

A biografia de Jorge Amado, por Josélia Aguiar. É um belo livro, escrito com um interesse e uma dedicação contagiantes.

A Professora catedrática Teolinda Gersão foi minha professora. Recorda-se? 

(risos) Claro que sim, lembro-me bem, era uma excelente aluna!!

E também me recordo de que, anos depois, a Júlia me convidou para um programa que fazia na rádio. Sempre fui muito mais tímida a falar do que a escrever, e sinto-me sempre desamparada perante qualquer câmara, fotográfica ou fílmica. Nessa altura, mesmo enfrentar um microfone me assustava. Lembro-me do desembaraço com que a Júlia falava ao microfone, quase como se fosse um divertimento, e de eu pensar, cheia de admiração: Como diabo é que esta miúda consegue ser tão segura e tão descontraída? (risos)

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