Júlia Livro Rui Zink

“Pais estafados sentados frente ao televisor a dizerem aos filhos para lerem um livro não é lá grande exemplo…”, Rui Zink

35 anos de carreira literária e 60 de vida. Celebrados com a reedição de A instalação do medo. Um livro que, em 2017, venceu o Prémio Utopiales para melhor romance estrangeiro, com a edição francesa. Um livro pungente, urgente, que já foi levado a cena na Alemanha, com o título Die Installation der Angst, e cuja adaptação para teatro estreia no domingo , 18 de julho, em França, no Festival D’Avignon, um dos maiores e mais importantes festivais de artes do mundo.
É daqueles livros que se leem de um fôlego, no sufoco que só a coragem pode libertar. É uma obra muito atual. Porque o medo é atual. Deveria ser leitura obrigatória nas escolas, concordo. Não só pela genialidade, também da escrita, do autor. Pais, professores, jovens, homens e mulheres – este livro é um livro tremendo. Para todos. Parabéns meu amigo Rui Zink. 35 anos de carreira literária e 60 de vida. E sempre numa categoria superlativa.

Dois homens batem à porta. «Bom dia, minha senhora, viemos para instalar o medo. E, vai ver, é uma categoria».
Medo (medo individual, medo coletivo atual, medos infantis…) – porquê escrever um livro sobre o medo?
Como não, neste nosso século titubeante e todo cheio de tremeliques?

Como nasceu a ideia?
Eu sou muito acção/reacção. Ou seja, sou um escritor reaccionário. Acho que só posso acrescentar algo ao que os nossos maiores fizeram (Agustina, Eça, Sophia) se falar do que me passa à frente e me toca o coração, para o bem ou para o mal. Zanguei-me muito com a retórica do governo Passos: «andámos a viver acima das nossas possibilidades», «é urgente baixar os salários», «a austeridade veio para ficar»…  E, como não sou de me ficar (tal e qual o meu bom fascista, sobre o qual escrevi também um lindo manual) reagi.

A Instalação do Medo é um livro que se lê de um fôlego! A escrita teve esse mesmo fôlego? Foi um livro que foi escrito num curto período de tempo ou foi sendo escrito…
Eu escrevo rápido e reescrevo lento. Escrevi o livro de pé, como ultimamente faço. Escrever de pé ajuda ao ritmo, acho.

Quais são os medos do autor?
Os de qualquer pai ou mãe.

A Inês Pedrosa diz que esta obra notável “devia tornar-se obrigatória nas escolas”. Porque as escolas “um dia hão-de ser: lugares onde se aprende a desinstalar o medo”.

As escolas são o espaço físico e mental onde os jovens mais tempo passam. E têm de tudo: professores magníficos e outros que, nem por isso, colegas excelentes e outros que já foram ensinados (provavelmente em casa) a bater no mais fraco. O ensino está cada vez mais a pôr fardos em cima dos professores. A imensa manifestação no tempo do governo Passos foi flagrante: aquele mar de gente não podia ser tudo profes-de-esquerda! Infelizmente, com o governo Costa a coisa, se não piorou, também não melhorou muito. Professores com medo, humilhados e maltratados, envelhecidos e envilecidos, podem ensinar a ser livres? É que (qualquer pai e professor sabe isso) é pelo exemplo que se ensina. Pais estafados sentados frente ao televisor a dizerem aos filhos para lerem um livro não é lá grande exemplo…

 

"Pais estafados sentados frente ao televisor a dizerem aos filhos para lerem um livro não é lá grande exemplo...", Rui Zink Rui-Zink

Rui Zink, A Instalação do Medo

Quem é Rui Zink
Nasceu em Lisboa em 1961. Além de escritor e professor na NOVA FCSH, é membro fundador dos Felizes da Fé e da ACA-M. Autor de uma obra diversificada, do romance à banda desenhada, passando pelo ensaio ou literatura infantil, publicou títulos como o Hotel Lusitano (1986), Apocalipse Nau (1996), O Suplente (2000), O Anibaleitor (2011), Manual do Bom Fascista (2019) e O avô tem uma borracha na cabeça (2020).
A sua obra está traduzida em várias línguas, como inglês, alemão, romeno, hebraico ou bengali, e já foi distinguida dentro e fora de Portugal, destacando-se o Prémio do P.E.N. Clube Português de Novelística, pelo romance Dádiva Divina, em 2004, ou o Prémio Utopiales para melhor romance estrangeiro, com a edição francesa de A instalação do medo, em 2017.

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