Romance Policial é “a minha praia”. Leio autores dos vários cantos do mundo. Espanhóis, suecos, franceses. Se cheira a policial, intrigante, inteligente e imprevisível, eu agarro-o na estante e trago-o para casa. O policial que acabo de ler é do João Tordo, autor que já vai ocupando espaço cá em casa. E, pelos vistos, não é só cá em casa. O Águas Passadas está, pela sexta semana consecutiva, no TOP Bertrand e WOOK.
O romance policial é um género literário que o João aprecia enquanto leitor.
Que autores/livros mais influenciaram esse seu gosto?
Desde muito novo, os autores da colecção Vampiro – Chandler, Stanley Gardner, Hammett -, mais tarde, Conan Doyle e Agatha Christie, e recentemente os nórdicos, os espanhóis e os franceses. Em Portugal, temos pouca tradição – há o Francisco José Viegas, de que gosto muito, e havia o José Cardoso Pires. Os livros da colecção Vampiro serviram para iniciar-me no género, elevá-lo a um patamar “literário” é o grande desafio.
Quais foram os maiores desafios com que se deparou ao escrever este policial?
Desde já a questão da protagonista, uma mulher-polícia da PSP. Falei com algumas pessoas e percebi que havia três dificuldades ou obstáculos. Uma era a promoção na carreira (mulheres vs homens), outra o ambiente maioritariamente masculino, a terceira, o facto de uma grande fatia dos casos a que a PSP atende serem de violência doméstica, o que é duplamente complicado para uma mulher-polícia, visto que, normalmente, essa violência é de homens sobre as mulheres. Portanto, o desafio era criar uma personagem credível, a Pilar, que tivesse os seus próprios instintos e vida autónoma, alguém que conseguisse levar a narrativa (e levar-me) numa aventura sem precedentes. A Pilar é obstinada, teimosa, difícil, complexa e muito vulnerável, mas também é uma mulher muito corajosa e intrépida.
Águas Passadas não foi escrito de uma assentada, como aconteceu com outros livros que escreveu. Porquê? A história do thriller foi sendo construída, amadurecida?
Porque fui tendo outros projectos pelo meio. Saíram dois livros – o Manual de Sobrevivência de um Escritor e o Felicidade – e, portanto, fui escrevendo este ao longo do tempo. Comecei-o quase logo a seguir ao primeiro policial, e fui trabalhando nele devagarinho. Ao contrário de um romance “literário”, o policial tem as suas regras e uma estrutura particular, e posso pegar nele a qualquer altura e retomar a história. Portanto demoro mais tempo, também porque é muito difícil coser tudo para que não existam incongruências, disparates ou pontas soltas.
Qual é a sua relação com a personagem Pilar Benamor, a subcomissária da PSP? Como a construiu?
Com luvas 🙂 É uma rapariga jovem, frágil, e também corajosa e destemida. Não gosta da lei, gosta da justiça; não quer o consenso, quer a verdade. E uma pessoa assim mete-se em sarilhos facilmente. De maneira que fui estabelecendo uma relação lenta com a Pilar, tentando compreender o que queria ela desta história, e de que maneira se podia relacionar com o Cícero, um ermita meio louco que vive no meio de uma falésia e que encontra o cadáver da primeira vítima. Visto que Pilar perdeu o pai (também polícia) muito nova, Cícero acaba por ter um papel fundamental na história – um papel de apoio incondicional, de pai substituto.
“Ser escritor é 15% talento e 85% “trabalho e fé”, disse o João Tordo numa entrevista. Fé? Porquê?
Não é no sentido religioso, é no sentido de acreditar naquela narrativa. Quando se começa um livro (e, por vezes, quando já vamos adiantados), sentimos muitas vezes que estamos a resvalar de uma corda bamba na qual não nos conseguimos suster. Por mais que tentemos “fixar” aquela narrativa com traves mestras, há muitos momentos em que as coisas parecem perigar, ou à beira de ruir, e esse processo de dúvida e de equilibrismo é fundamental para que um livro tenha “vida”, seja orgânico, tal como nós. É nesse sentido.