Um dia, Isabel Machado visitou a terra de uma amiga, Tentúgal, e deparou-se com este edifício. O Paço do Infante D. Pedro, parcialmente em ruínas e ao abandono, sugeriu-lhe uma metáfora para a vida do infante: “o mais brilhante de todos os príncipes de Avis”, um homem “visionário” que afrontou o poder e que defendeu que todos deveriam estudar, não apenas a nobreza. Um filho de rei que ousou escolher a mulher para casar. E, no entanto, “tentaram apagá-lo das páginas da História de Portugal”. Este livro é um ato de justiça: Isabel Machado garante que a sua história é demasiado fascinante para ficar ao abandono, que nem o Paço do Infante D. Pedro. E retrata-a neste romance histórico.
A História dá-nos a conhecer bem o rei D. Duarte, o Infante D. Henrique, o navegador, e também D. Fernando, o Infante Santo. Por que razão se destacou tanto esta Ínclita Geração (Ínclita Geração é o nome dado na História de Portugal aos filhos do rei João I de Portugal e de Filipa de Lencastre)? Todos irmãos, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, mas todos diferentes, correto?
Os filhos de D. João I e D. Filipa de Lencastre foram educados com os mais elevados padrões de cultura que havia à época. Os reis queriam uma geração de infantes exemplares, que garantissem a permanência da dinastia de Avis no trono de Portugal. Quer D. João I quer D. Filipa eram muitos cultos e foram pais exigentes com a preparação dos filhos. Todos os príncipes, são seis os que sobreviveram até à idade adulta, serão cultos, trabalhadores, ambiciosos, com empenho para desenvolver o reino. É uma geração de ouro. Mas devo dizer que, de facto, os infantes são muito diferentes entre si, a educação não faz tudo. O carácter também conta e muito. Assim, vemos neste romance os atritos e cumplicidades que existiam entre os irmãos e com o pai, alguns desses atritos entre os irmãos foram bem graves, não só em termos das relações familiares, como das consequências das suas decisões no reino, sobretudo a partir da morte de D. João I, altura a partir da qual se vão tornando mais evidentes as diferenças entre os seus filhos e as desavenças que vão marcar esta geração. Não é uma época cor-de-rosa como aprendemos nos livros da escola. Muito longe disso.
Pedro, o segundo filho de D. João I e D. Filipa de Lencastre, é uma figura mais discreta. Será por isso que, na sua perspetiva, é menos conhecido?
A principal razão é política. D. Pedro foi traído, barbaramente assassinado na Batalha de Alfarrobeira por membros da sua própria família, que urdiram intrigas hediondas para o desgraçar. A sua memória foi propositadamente apagada por interesses de quem venceu. Para mim, o infante D. Pedro é o mais brilhante de todos os príncipes de Avis, um homem de grande visão e coragem, que quis mudar Portugal. Fazer justiça à sua memória, merecia um romance histórico há muito tempo! É um homem notável, dos mais eruditos e lúcidos pensadores de toda a História de Portugal. Tornou-se incómodo porque afrontou poderes da alta nobreza, que queria controlar a cabeça do rei, o pequeno D. Afonso V, que ficou órfão de pai aos seis anos. O seu tio, o infante D. Pedro, foi o seu regente em circunstâncias muito difíceis porque havia a tentativa de interferência de Castela em Portugal devido à rainha-viúva, D. Leonor, mulher ambiciosa e que não aceitou o poder entregue ao cunhado, D. Pedro. É uma época fascinante esta rivalidade entre os cunhados, de que, em geral, os portugueses sabem muito pouco.
O infante D. Pedro é, de facto, um homem determinado e de ideias claras sobre tudo. Além das mudanças que introduziu em Portugal, também casa por vontade própria! Escolhe a mulher com quem casa, o que é raríssimo no século XV, sobretudo tratando-se de um filho de rei. Acredito que viveu uma bela história de amor com D. Isabel de Urgel, a primeira duquesa de Coimbra, com quem teve sete filhos, antes da tragédia se abater sobre a família.
No seu livro, a Isabel descreve o Infante D. Pedro como um homem visionário. Um homem que ficou conhecido como «O Infante das 7 Partidas» pelas suas viagens, em pleno século XIV. Que importância teve este homem, que chegou a ser regente de Portugal? Que herança deixou aos portugueses?
A herança do infante D. Pedro é importantíssima e sabe-se muito pouco sobre isso. Foi regente durante a menoridade do sobrinho, D. Afonso V, e é nessa altura que vai aplicar em Portugal modelos de desenvolvimento que vira na sua longa viagem pela Europa, que o marcou profundamente. D. Pedro acreditava na importância de uma justiça rápida e eficaz e foi com ele que nasceram as célebres Ordenações Afonsinas, a primeira compilação e organização das leis de Portugal, organizadas por códigos. Ainda hoje são estudadas nas Faculdades de Direito. Acreditava na importância da educação, de formar homens válidos, cultos e empenhados e defendia que todos estudassem, não apenas a nobreza, influenciado pelo que vira na Universidade de Oxford. Assim, fundou uma segunda Universidade em Portugal, em Coimbra, na altura só havia Estudos Gerais em Lisboa e ele entendia que não bastava uma Universidade para preparar todos os que deviam gerir o reino. Mas D. Afonso V não prosseguiu este projeto depois da morte do tio.
Limitou os poderes e os abusos da nobreza e preocupou-se com os direitos do povo. Queria um clero bem preparado, com vocação e “livre de escândalos”, como ele próprio escreveu ao seu irmão D. Duarte, rei de Portugal. Recuperou o património do reino, tenho ordenado o recomeço da construção do Mosteiro da Batalha, que fora interrompido anos antes.
Apostou na exploração atlântica, com implantação e comércio, contra a guerra santa do Norte de África. É ele que consegue o monopólio da exploração, guerra e comércio a Sul do Cabo Bojador para Portugal, o que vai ser determinante para os Descobrimentos. Mas é claro que uma mente destas se vai tornar incómoda.
Podemos dizer que o infante foi um pioneiro dos Descobrimentos? (Com os irmãos D. Duarte e D. Henrique, D. Pedro foi armado cavaleiro na conquista de Ceuta, em 1415. Mas depois disso, opôs-se à continuação da guerra santa em África, defendendo a expansão marítima comercial.)
Podemos, da forma como foram seguidos pelo seu neto, o rei D. João II que, de resto, tinha uma profunda admiração pelo avô apesar de nunca o ter conhecido. Apesar de ter participado na conquista de Ceuta e de aí ter sido feito cavaleiro pelo seu pai, o rei D. João I, o infante D. Pedro era extremamente lúcido e percebeu que, com o tempo, Ceuta se tornara um problema. Os mouros não deixavam de atacar a cidade, obrigando a constantes ações de defesa por parte dos portugueses, que custavam muito dinheiro, vidas e armas a Portugal. Além disso, os mouros desviaram o comércio, que antes da tomada dos portugueses ali se fazia, para outras cidades, portanto, nem em termos económicos interessava. D. Pedro percebeu que manter Ceuta era um esbanjamento de recursos e dizia isso mesmo, opondo-se a grande parte da alta nobreza e ao seu próprio irmão, o infante D. Henrique, com quem tinha uma relação difícil.
Além disso, o infante D. Pedro quis entregar Ceuta quando se deu a derrota desastrosa das forças portuguesas em Tânger, comandadas por D. Henrique, que era um megalómano e um péssimo comandante militar, que não ouvia ninguém. Com a derrota, os marroquinos exigiram a devolução de Ceuta para deixarem o exército português voltar com vida ao reino, ficando lá como refém o infante D. Fernando, irmão mais novo, até que se cumprisse o acordo.
O infante D. Pedro faz de tudo para cumprir esse acordo e libertar o irmão das masmorras, mas a oposição foi tamanha que nunca conseguiu. D. Fernando acabou por morrer no cativeiro depois de quase seis anos das piores tormentas.
Como é que a Isabel “descobriu” e se interessou pelo infante D. Pedro?
Através de uma amiga, a Olga Cavaleiro, que, um dia, me convidou a visitar a sua terra, Tentúgal, e me mostrou o antigo Paço do Infante D. Pedro, parcialmente em ruínas e ao abandono. Aquela visão de um paço grandioso, mas abandonado, foi extremamente marcante porque era uma metáfora para a vida do infante, que tentaram apagar das páginas da História de Portugal, tentando que fosse esquecido. Quis fazer-lhe justiça e contar a sua história, que é fascinante e surpreendente.
Depois de Isabel I, Vitória de Inglaterra, D. Constança, da Rainha Santa e agora D. Pedro, qual a próxima figura histórica que gostava de dar a conhecer?
Ainda não posso dizer nada, é muito cedo.