Clementina Almeida contra a palmada educativa

“Uma palmada na hora certa faz muita falta”. Nem pensar, discorda a psicóloga clínica Clementina Almeida. Porquê?

“Uma palmada nunca fez mal a ninguém”. Quem concorda? A psicóloga Clementina Almeida discorda de todo. Diz-me que uma “palmada educativa” ensina muitas coisas, nenhuma delas positiva. Para o que parece ser um atentado à educação, para a “geração palmada”, a psicóloga clínica especialista em bebés contrapõe com argumentos. Vamos à conversa!

A propósito do vídeo que partilhou nas redes sociais sobre a “palmada educativa”, embora a maioria das reações seja positiva, também há quem comente que não concorde com a Dra. Clementina Almeida, usando o argumento de ter aprendido graças à palmada. É um argumento válido?

De todo. Ainda se ouvem argumentos como “Levei umas quantas palmadas e não morri por isso”, “Uma palmada nunca fez mal a ninguém”, “Uma palmada na hora certa faz muita falta”,  para reforçar a ideia de que não há nada de errado com esta forma de educar ou disciplinar. Na realidade, a palmada não ensina nada de positivo a uma criança e mais ainda, enquanto a dor física é momentânea, os danos emocionais são a longo prazo. Esses adultos que defendem a palmada são os mesmos adultos que hoje sofrem de depressão, ansiedade, abuso/dependência de substâncias ou dificuldades nas relações pessoais, só que não relacionam esses quadros com a forma como foram educados na infância. Esses adultos também aprenderam, com certeza, muitas coisas boas com os seus pais, que os fizeram hoje ser quem são, porque os seus pais tratavam das suas necessidades, eram pessoas de família, e muitas outras características positivas que os fizeram (APESAR das palmadas) serem também eles boas pessoas. É dar uma volta muito grande ao texto assumir que foi com a palmada que aprenderam alguma coisa! A agressão física, onde a palmada se inclui, diz-nos muito acerca da falta de controlo dos estados internos de um adulto e da perda  da sua capacidade para lidar com o comportamento da criança.

Da experiência que tem, com crianças e com pais, quais são atualmente outros grandes mitos (além da palmada) que, na sua opinião, continuam por esclarecer?

Na verdade são muitos, porque há um grande desconhecimento dos pais acerca do funcionamento cerebral das crianças, o que os faz ter expetativas irrealistas acerca do seu comportamento. Desde logo, o mito de que “o colo faz mal”, que os bebés que têm colo se habituam mal, quando na verdade é um imperativo biológico básico para a nossa saúde mental.   Outro mito é a ideia de que temos que retirar as fraldas às crianças (em vez de as deixarmos largar as fraldas, quando estiverem preparadas), mais uma vez por desconhecimento do funcionamento neuropsicobiológico, que nos diz que o desfralde se trata de um processo interno que não pode nem deve ser apressado. E claro, os mitos relacionados com a disciplina, a palmada, os gritos, os castigos…

Um dos seus posts mais “desconcertantes” 😊 revela: “A verdadeira razão pela qual os bebés não dormem a noite toda…é porque são bebés”. A verdade é que o sono (dos bebés e das mães) é uma questão na maternidade. O exemplo de algo que nunca se deve fazer e de um bom conselho para adormecer os bebés?

Nunca se deve deixar um bebé a chorar para “aprender” a adormecer sozinho. É das experiências mais stressantes para um bebé, com efeitos a longo prazo na forma como o seu cérebro se vai arquitetar e desenvolver. Para além de ser uma forma desconcertante de mostrar empatia por alguém tão indefeso e que nos está a comunicar a sua angústia. Se não o faríamos a um adulto, porque haveríamos de o fazer a um bebé?!

A Dra Clementina é certificada em saúde mental infantil no Reino Unido e EUA. Como é que podemos apoiar a saúde mental das crianças no pós-pandemia? Quais os efeitos mais severos do confinamento/pandemia que, na sua opinião, afetaram as crianças?

Acho que seria importante todos os cuidadores de crianças (pais, educadores e profissionais de saúde) terem consciência de que, efetivamente, a pandemia afetou a saúde mental dos mais novos para poderem estar mais alerta, no caso de ser necessário pedir ajuda.

Para além do clima de ansiedade e de incerteza vivido pelos pais em contexto familiar, que tem impacto direto na saúde mental dos mais pequenos, destacaria dois efeitos negativos do confinamento: nos mais bebés, os efeitos mais severos prendem-se com muita falta de estimulação sensorial, que conduziu a alguns atrasos de desenvolvimento; nos mais velhos, sem dúvida o abuso do tempo de ecrã, que predispõe a um elevado numero de perturbações.

Spa ForBabies é o primeiro spa clínico para bebés na Europa, idealizado por si. O que a inspirou e a levou à criação deste conceito?

Todos os bebés beneficiam com as sessões e conseguimos “medir” esses efeitos de sessão para sessão, porque utilizamos uma escala de desenvolvimento que nos permite retirar essas conclusões. Claro que, nas crianças com algum tipo de perturbação neuropsicológica, esses efeitos  tornam-se ainda mais visíveis.

A minha inspiração para criar o Spa ForBabies veio de eu ser um autêntico “rato de laboratório”, pois estou sempre a estudar e a investigar. O meu fascínio pelos bebés e pelo desenvolvimento do cérebro humano levou-me a criar protocolos terapêuticos que permitissem otimizar esse desenvolvimento tão fantástico nos primeiros anos de vida, onde o cérebro de um bebé faz mais de um milhão de sinapses por segundo (mais rápido que o 5G!). O nome Spa ForBabies, é puramente comercial, porque seria difícil explicar o que são sessões de estimulação multissensorial em meio aquático.

 

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