Dia Mundial de Luta Contra o Cancro, 4 Fevereiro
Uma equipa de investigação da Universidade do Porto acaba de identificar uma forma de impedir o crescimento do cancro do pâncreas. Um dos cancros mais difíceis de diagnosticar e um dos mais letais. A investigadora portuguesa Sónia Melo, que estudou em Harvard e no Cancer Center (Houston), nos Estados Unidos, liderou este estudo. E traz-nos esperança. Em entrevista, fala-nos melhor sobre o impacto desta descoberta no futuro dos doentes com cancro do pâncreas.
Como surgiu a possibilidade de estudarem o cancro do pâncreas? Porquê este tipo de cancro?
Fiz o meu pós-doutoramento no estudo das alterações biológicas inerentes a este cancro. Quando regressei a Portugal, continuei nessa mesma linha de estudo. Este é um cancro cuja incidência tem vindo a aumentar, e que tem um prognóstico muito reservado, com taxas de mortalidade muito elevadas. A falta de tratamentos eficientes para tratar estes pacientes está na base deste prognóstico tão negativo. Só conseguimos tratar bem o que conhecemos bem. Desta forma, decidimos estudar o cancro do pâncreas, por forma a perceber melhor a sua biologia e poder contribuir para aumentar o conhecimento desta doença, que irá resultar numa melhoria da eficiência dos tratamentos e no aumento de qualidade de vida destes pacientes.
Os resultados deste estudo podem ajudar a travar aquele que é um dos tipos de cancro mais letais? De que forma?
Os resultados do nosso estudo esclarecem como é que diferentes células de cancro do pâncreas trocam informações entre elas por forma a adaptarem-se a situações de stress durante o crescimento do tumor, nomeadamente falta de oxigénio, ou tratamentos com quimioterapia. Quando inibimos a comunicação entre células de cancro do pâncreas impedindo que troquem informação molecular, conseguimos abrandar significativamente o crescimento dos tumores.
Conseguimos perceber que um conjunto de células muito raras nos tumores, as células estaminais de cancro, são as que enviam mais informação para todas as outras células do tumor. Esta informação molecular é enviada dentro de vesículas extracelulares que as células libertam constantemente. Estas vesículas são como um saco que as células enchem com moléculas que consideram importantes num determinado momento, e enviam esse saco com essa informação para outras células vizinhas. Essas células vizinhas recebem esses sacos cheios de informações novas, e são alteradas por essa mesma informação. Esta alteração leva-as a crescerem mais rápido e mais eficientemente, e vamos então ter um tumor com conjuntos de células que cooperam entre elas para se poder adaptar e crescer enviando informação essencial para esse crescimento.
Neste estudo conseguimos também descobrir uma das moléculas que é enviada pelas células estaminais de cancro dentro de vesículas extracelulares para as outras células de cancro, a proteína Agrin. Conseguimos demonstrar que esta molécula é responsável pela ativação de vias de sinalização nas células recetoras de mecanismos que levam a um crescimento aumentado dos tumores. Quando inibimos a comunicação ou inibimos a proteína Agrin conseguimos abrandar significativamente o crescimento dos tumores, que se tornam mais suscetíveis a quimioterapia. Portanto, estes são dois alvos com potencial terapêutico no cancro do pâncreas.
E agora? Quais os próximos passos? Quem e quando poderemos beneficiar das conclusões promissoras deste estudo? Há esperança?
Desde que haja quem estude a biologia destes tumores por forma a perceber quais os alvos que os podem travar, há sempre esperança. Só conhecendo o seu funcionamento é que poderemos desenvolver novas estratégias terapêuticas mais eficientes para o combater.
Neste momento, o objetivo é perceber quais são os melhores alvos para inibir esta comunicação, e perceber se vemos os mesmos resultados promissores de abrandamento do crescimento do tumor. É importante também conseguirmos demonstrar, utilizando modelos pré-clínicos, que inibindo a comunicação e/ou a proteína Agrin juntamente com o uso da quimioterapia, aumentamos significativamente a sobrevida dos modelos pré-clinicos de cancro do pâncreas.
A médio-longo prazo, gostaríamos de poder ter dados que suportassem o desenvolvimento de um ensaio clínico onde esta estratégia terapêutica pudesse ser testada em pacientes com cancro do pâncreas por forma a conseguirmos perceber se seria uma alternativa mais eficiente de tratamento, e acima de tudo, se há uma melhoria significativa da qualidade de vida destes pacientes.
Sónia Melo é Investigadora no i3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde) e Professora Afiliada na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). Doutorada em Biomedicina pela FMUP em 2010, tendo realizado o trabalho em Espanha no Spanish National Cancer Center (CNIO) em Madrid e no IDIBELL em Barcelona. Fez pós-doutoramento nos Estados Unidos, na Harvard Medical School em Boston, e no MD Anderson Cancer Center em Houston, nos Estados Unidos, entre 2011 e 2014. Em 2015 regressou a Portugal ao IPATIMUP, Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto, que, entretanto, se tornou um membro fundador do i3S. Em 2015 ganhou o Prémio UNESCO-L’Oreal para mulheres na ciência, e o prémio Maratona da Saúde.