A. sente os nervos à flor da pele. Está desde o primeiro momento em contacto com a família, na Ucrânia. Sogra, tios, primos, todos de coração apertado e com mais medo, a cada hora que passa. Vivem numa aldeia, no distrito de Ternopil, na zona oeste da Ucrânia, a cerca de 200 km da fronteira com a Polónia. Seria ainda hoje a residência do ucraniano A., não fosse ter fugido em 2014 para Portugal. A. sente os nervos à flor da pele. Porque sabe de cor a história do conflito Rússia – Ucrânia. Para os mais “distraídos”, começou precisamente em 2014. Quando a Rússia ocupou e anexou a Crimeia, que até à data pertencia à Ucrânia. A invasão russa, ainda que em menor escala na altura, fez com que o governo ucraniano convocasse os homens para a força militar. Tal como acontece agora, com a lei marcial – os homens ucranianos dos 18 aos 60 anos estão proibidos de sair da Ucrânia e obrigados a reforçar o controlo militar contra a invasão russa. A. tinha 40 anos. E tinha um bebé. “Pensei no meu filho que ia ficar sem pai por causa de uma guerra. Por causa do Putin. E fugi para Portugal. Sem nada. Parti sozinho”, conta-nos.
“Foi muito duro. Ninguém queria dar emprego a um ucraniano que não sabia uma palavra de português. E havia muita desconfiança relativamente aos estrangeiros. Não havia trabalho para mim. Fui apanhar ovos de codorniz para Rio Maior. Ia de transportes públicos, pois a carta de condução não era válida em Portugal e também não poderia tirar a carta, sem documentos”, conta-nos. A. tinha um emprego estável na Ucrânia. As duas licenciaturas – uma em engenharia informática e outra em civil – proporcionaram-lhe um emprego numa empresa ucraniana, equivalente à EDP de Portugal. Em Portugal, passou a viver da terra. Mas os objetivos valiam a pena – quando finalmente teve direito à documentação de residência, pode receber a sua mulher e o seu filho para viverem em Portugal. E hoje, o agregado aumentou e a filha mais nova é a única portuguesa da família.
A. mantém o emprego na agricultura, nas vinhas. Com esforço, juntou as economias para um teto, e reconstitui a vida com a sua família longe de um país-natal que, oito anos depois, volta a estar debaixo de fogo. A Rússia entrou na Ucrânia, via Crimeia, “e está sozinha”. “As fronteiras estão fechadas e a minha família não tem por onde fugir. Estão isoladas em casa, na aldeia que ainda não foi bombardeada. Ontem foram tentar comprar comida, mas já não havia nada. Só há trigo, farinha…. à venda. E mesmo o trigo já não é possível comprar com multibanco, pois já não funciona. Estão com medo. Estão à espera que os militares russos cheguem a qualquer momento. Mas fugir para onde? Como?”.