Senhor Fernando - A Família do Etoo

Precisamos tanto de Homens de PAZ

Quando o Ricardo retirou este homem das ruas, após meses a dormir debaixo desta ponte da cidade do Porto,
nessa mesma tarde, a caminho de um alojamento improvisado, o senhor Fernando fez-lhe uma promessa:

“Jovem, um dia, vou pagar-te o almoço”.

Há dias, o Sr. Fernando cumpriu a promessa.

E não só pagou o almoço como vestiu a mesma camisola que usava no dia em que saiu da rua.

“Trago a mesma camisola porque sou o mesmo homem, mas agora, sou um homem feliz!”

Hoje falamos-lhe da história de sucesso do senhor Fernando e do homem/família a quem muitos seguidores chamam de “anjo na terra”, “super herói”, “homem de coração gigante”. Todos esses epítetos cabem numa só pessoa: Ricardo Afonso, o criador do grupo solidário “A família do Etoo” .Um grupo de Facebook com 30 mil membros que, em espírito de família, têm resolvido de forma incrível situações diversas, pedidos de ajuda que hoje chegam de vários pontos do país.

O grupo começou em 2017, com 100 amigos do Ricardo. O objetivo era simples e bem distinto: falava-se de bola, do Porto, de remates e vitórias em campo. Em três meses, juntaram-se mais duas a três centenas de pessoas. E, com a quadra natalícia à porta, o Ricardo aproveitou o ajuntamento para partilhar no grupo uma boa ação. Ricardo tinha o hábito de distribuir brinquedos numa instituição com crianças, no Porto. Mas nesse ano, com a adesão do grupo, entregou centenas de presentes em largas dezenas de unidades carenciadas.
Nesse Natal, tinha-se feito magia. E, embora os “comentadores de bancada” continuassem a postar palpites, os rumores mais fortes apontavam noutra direção: “quem é que vamos ajudar agora?”.
O primeiro caso surgiu por “boca-a-boca”: um homem de Vila das Aves tinha acabado de perder a esposa e estava sozinho com três crianças nos braços. A família do Etoo – um nome inspirado no ex-futebolista camaronês Samuel Etoo e nas suas ações solidárias – reuniu-se online e pagou contas, apoiou na dor, e ajudou a erguer a família.

Desde então, as histórias sucedem-se. A “família do Etoo” ganhou asas e está onde todos esperam. Até debaixo de uma ponte da autoestrada. O caso do senhor Fernando é um dos mais recentes.
“Eu costumo pegar na minha bicicleta e, durante a noite, distribuir uns lanches pelos sem-abrigo da cidade. Uma noite, estava a pedalar e passei debaixo da ponte da Autoestrada. Fiquei surpreso com aquele homem que aparentava uns oitenta anos. Tinha aspeto de avôzinho. Podia ser o meu avô. Perguntei-lhe: ‘o que é que estás aqui a fazer?’. Isso pergunto-te eu, respondeu-me. Disse-lhe que, com aquela idade, ele deveria estar deitado numa caminha. E não a dormir debaixo de uma ponte. E assim começou a conversa da sua vida. E assim me apercebi de como o acidente fatal de aviação da filha e, anos mais tarde, a morte da mulher, o atirou para este precipício. Perdi teto, perdi tudo, dizia-me a chorar. E com isto eram já duas da manhã. Fiz-lhe a promessa: vou tirar-te daqui. Mas ele não acreditou. ‘Já ouvi isso muitas vezes. Mas nunca ninguém voltou’. Mas eu vou voltar. E da próxima vez que eu voltar, vais comigo”.

Ricardo voltou ao grupo. E a “família do Etoo” nunca desilude. Rapidamente arregaçaram as mangas. A única questão que colocaram foi: “o que é preciso fazer?”.
Ricardo procurou uma residencial, que o obrigou a assinar documentos de responsabilidade. Não era uma decisão tranquila, mas era a necessária. Ricardo assumiu a responsabilidade. Os primeiros tempos não foram fáceis. O senhor Fernando precisava de recuperar os hábitos de higiene e até de convivência, Acabou por mudar de residencial e o Ricardo mudou de estratégia: “amanhã vou visitá-lo com umas amigas e amigos. O senhor Fernando tem que estar bonito!”. E o senhor Fernando passou a estar impecável. E a senhora da residencial passou a fazer-lhe sopa. E o senhor Fernando passou a ser o hóspede mais certinho a pagar as contas. Os primeiros meses foram assegurados pela família do Etoo. Mas hoje só colaboram nas despesas de alimentação. Porque a reforma é pequenina, mas o senhor Fernando já consegue geri-la.

Faltava um pormenor. Sempre que o Ricardo ia visitá-lo e tomavam juntos o pequeno-almoço, no café, junto à residencial, o senhor Fernando barafustava quando a carrinha da polícia passava. Sentia revolta dos tempos em que dormia na rua e a polícia, chamada pelos residentes, ordenava que mudasse de sítio. Aprendeu a detestar polícias. Mas um dia, quando o senhor Fernando tomava o seu café na esplanada, a carrinha da esquadra de Matosinhos parou mesmo à sua frente. O senhor Fernando assumiu o seu ar zangado e sombrio. E surpreso quando, de dentro da carrinha, saiu fardado o seu amigo Ricardo. Desde então, o senhor Fernando aumentou o seu leque de amigos.
E diz, com orgulho aos companheiros de café, que os polícias são grandes amigos. Não está enganado. Quem desconfia, reconhece a verdade quando entra um polícia e cumprimenta com alegria o senhor Fernando. Uns até lhe dizem que o café é por sua conta. “É assim que gosto que as pessoas vejam a Polícia. Os polícias também passam multas. Mas também protegem, cuidam”,

Ricardo André Afonso é polícia há 14 anos. E “anjo na terra”, “super herói”, “homem de coração gigante”, julgamos que desde sempre. A filha ainda é pequenota mas já diz que parte da mesada é pagar o quarto do senhor X ou da senhora Y. O Ricardo está neste momento em recuperação de uma cirurgia, na sequência de um esforço feito enquanto ajudava uma família. Não fosse o imprevisto, diz que estaria ao volante da sua carrinha, a caminho da Ucrânia.

Acreditam em anjos na terra?

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