Tenho que confessar que sou agnóstica, criada por um pai ateu e uma mãe católica não praticante. Sou baptizada, mas não tenho um passado com tardes inocentes na catequese, não fiz a primeira comunhão e nunca fui um anjinho na procissão.
Em contrapartida, nada disto me impediu de trabalhar numa rádio católica durante anos, na qual fui muito feliz, casar com um católico convicto, fazer os meus votos conjugais num altar e criar os meus filhos como católicos praticantes.
E está é a minha história religiosa. Curta mas coerente. Até ao dia que fui a Sevilha durante a Páscoa e fui arrebatada por uma extraordinária manifestação de fé. Repeti durante alguns anos este ritual. As ruas apertadas de Sevilha, cheias de milhares de pessoas que seguem os andores monumentais, de uma riqueza e esplendor extraordinários, deixam-nos esmagados. E depois há o silêncio da fé partilhada, da espiritualidade palpável. Milhares de pessoas em movimento, apertadas, coladas ombro com ombro, e não há um sobressalto, uma ameaça. Um gigantesco corpo de amor. Nas ruas, na noite de quinta feira para sexta feira santa, não se dorme. Dezenas de procissões cruzam a cidade, seguidas por peregrinos, vestidos de vestes simples, de cores variadas. Chamam-lhes os Penitentes. Levam na cabeça um chapéu pontudo e desfilam sempre de cara tapada. Podem parecer ameaçadores, mas alguns levam cestos cheios de chocolates para oferecer às centenas de crianças que estão nas ruas com as famílias. Os rostos tapados são um sinal de modéstia e humildade. Quem peregrina e pede uma benção não exibe a sua intenção. Numa destas noites únicas, na escuridão total da Catedral de Sevilha, sentindo a cidade pulsar ao ritmo da música das procissões, dos cânticos quase plangentes dos solistas, o meu coração cedeu. E profundamente comovida com a fé de quem me rodeava, fiz a minha promessa. No dia em que as minhas filhas estiverem curadas da doença que as domina há mais de uma década, eu desfilarei nas ruas de Sevilha. Vestida de Penitente, oferecendo o pouco que tenho. A minha dor e a minha verdade.
Feliz Páscoa!