Eu tinha 11 anos…

No dia 25 abril de 1974 , eu tinha 11 anos. Dificilmente percebi o que se passava à minha volta. Sentia que era importante. O meu avô chorava de alegria, a minha mãe mantinha uma expressão de perplexidade. Sou uma filha da classe média. Pertenço à espinha mais pura dos pequenos comerciantes e empresários que fazem, desde sempre, o tecido económico deste país. No dia 25 de abril, a minha família era proprietária de uma gráfica e de uma livraria. Um empreendimento de uma vida, feito pelo meu avô materno, tipógrafo, autodidata, um trabalhador incansável junto dos seus funcionários. Por esta altura fiquei a saber o que nunca me tinham contado. O meu avô tinha sido perseguido pela PIDE porque tinha imprimido clandestinamente materiais de propaganda para o Partido Comunista Português. Andou a monte, foi preso. Imprimiu panfletos e outros documentos para os aliados e fugiu de novo. Era um insurreto encantador. Nunca consegui confirmar se era efetivamente membro do PCP. No dia 25 de abril, lembro-me de ouvir o avô Victor dizer que nunca tinha existido um dia tão bonito. E eu acreditei. Seis meses mais tarde, fomos considerados fascistas e capitalistas porque tínhamos uma pequena indústria. A minha mãe e o meu avô foram saneados da empresa. Ele teve um ataque cardíaco, ia morrendo. Debateu-se entre a tristeza e desilusão. Nunca lhe contei que, por esses dias , eu era vítima de bullying… político. Era perseguida pelos corredores do liceu, com gritos de humilhação: “olha a Júlia  fascista”. Gritos proferidos vezes sem conta. Não era agradável e deixava-me morta de vergonha. Foi assim , até os ardores de abril esfriarem. Os funcionários da empresa pediram o regresso do meu avô. A empresa afundava -se. Eu deixei de ser perseguida e a vida retomou a sua quase normalidade. O que ficou da nossa pequena história familiar? A sombra de tristeza nos olhos do meu avô que nunca se dissipou, e o facto de eu nunca me ter envolvido em nenhum partido político. Não quero ter nenhum epíteto. Sou, pelas razões apresentadas, geneticamente, uma mulher de esquerda. Prezo a liberdade como um valor absoluto. Mas não sou uma filha do 25 de abril. E tenho pena porque nunca vivi a vertigem deste dia memorável. Por isso costumo dizer que sou uma sobrinha da Revolução. Bom feriado.

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