“A arte é mais importante do que os artigos ou as cláusulas”

Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, juntou-se, em 1994, a um grupo de amigos numa garagem no Porto, de onde viria a sair Trigger, o primeiro álbum dos Blind Zero, que já conta com mais de duas décadas. Miguel Guedes é músico, autor, intérprete, vocalista dos Blind Zero, advogado, diretor da GDA − Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, e também comentador desportivo em programas radiofónicos e no Trio d’Ataque, da RTP. Um homem versátil e de muitas paixões.

O direito e a música. Uma atividade profissional apenas não chega?
Tenho sempre a ideia de ser mais feliz a fazer coisas diferentes. No caso do direito e da música, curiosamente, tenho a possibilidade de, muitas vezes, poder conjugar ambas no mesmo momento, diariamente. Trabalhar na área da propriedade intelectual, mais particularmente com direitos conexos, é um prazer e um desafio em nome dos artistas. Gosto de desafios, e não considero que haja mundos inconciliáveis. Aliás, tanto o direito como a música são formas de interpretação do mundo. Embora considere que a arte é mais importante do que os artigos ou as cláusulas.

É fácil manter uma banda por mais de duas décadas em Portugal?

Não, não é fácil. Há uma dimensão de resistência e de noção de percurso que tem que ser assimilada. Mas, como em tudo na vida, não há truques. As coisas têm que fazer sentido para serem vividas e continuarem possíveis. Artisticamente, temos que estar sempre preparados para viver ou declarar a nossa morte. Do ponto de vista afetivo, os elementos dos Blind Zero sentem-se como uma família e respeitam-se. Só assim é possível. Temos muito gozo no que fazemos e nos momentos que passamos juntos.

Faz parte de uma banda de rock. Mas a sua vida e os seus gostos musicais também têm lugar para o pop, entre outros estilos.

Quem gosta de música dificilmente se sintetiza num estilo. Gosto de coisas muito diversas, de diferentes estilos e correntes estéticas. Julgo que é assim em todas as formas de expessão artística, há momentos para (quase) tudo. Gosto de rock pesado e de folk. Gosto de música eletrónica e de ouvir uma voz sussurrada em acústico. Gosto, sobretudo, do som e da palavra, independentemente dos estilos. Muitas vezes, contexto é tudo, e o espaço, artisticamente, tem que ser amplo. Tom Waits pode coexistir com Radiohead, Springsteen pode viver ao lado de Bowie, e os Talk Talk só acabaram na cabeça dos próprios músicos [risos].

Recebeu uma Medalha Municipal de Mérito, atribuída pela Câmara do Porto. O que mais gostava de fazer pela sua cidade?

Vivê-la todos os dias com a mesma alegria e sentimento de pertença. Conhecê-la mais e melhor. Não parar de me deslumbrar com o que ela tem de bom, com as pessoas e os lugares. A condecoração foi uma honra muito bonita da cidade onde nasci. Espero, sinceramente, devolver à cidade tudo o que me dá com cada centímetro do seu nervo.

Desde quando se lembra de ser portista? Como aconteceu?

Lembro-me desde que me recordo [risos], desde o meu primeiro momento de memória. Tenho imagens muito claras de ver jogos no antigo Estádio das Antas pela mão do meu pai e do meu avô, bandeira ao ombro, avenida acima. Tenho grandes momentos ligados ao futebol e ao meu clube, estórias de felicidade e emoção que estão gravadas para sempre. Tenho a sorte de ter nascido a viver um Porto em liberdade, pós-25 de Abril. E também muito vitorioso. Mas não se é de um clube porque se ganha. É algo que nasce e multiplica e se sente para sempre. Não há grande escolha.

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