Segunda.
A vida exige cordas puxadas e cordas por puxar. É isso, não mais, o que distingue os humanos: a faculdade de escolher as cordas que puxa e que deixa por puxar. Hoje apetece-me deixar que a vida escolha. Passar o tempo a olhar para o que não acontece. É nesses momentos que a tua imagem, nítida, surge para equilibrar a existência. És a certeza. A única certeza que tenho. E nenhuma dúvida me magoa quando a enfrento contigo.
Quarta.
Quando me deito, as pessoas são diferentes, deixa de haver ódio, o mundo é justo. Será esse o motivo do sono, por mais que os especialistas discordem. Dorme-se para que o mundo se suporte, pouco mais. Até as guerras, quase sempre, descansam algumas horas. Um time-out que só os humanos percebem. Vive-se sempre até à morte, mas com sonos pelo meio. É neles que algo superior acontece, um reequilibrar do que magoa, uma espécie de mundo dos vivos em pousio. Até um assassino dorme como um bebé. Somos todos iguais até acordarmos.
Quinta.
Gosto de passar os dedos pela ferida, levemente, gastar as tentativas. Ninguém se cura sozinho, por mais que ninguém esteja ao seu lado. É a esperança, sorrateira, que aparece para salvar o que dói. Nenhuma pessoa é isenta de amor: eis o que ainda sustenta o mundo. Por todo o lado há pessoas magoadas e por todo o lado há pessoas felizes. As circunstâncias são interiores, meros ângulos, pueris perspectivas, altamente sobrevalorizadas pela necessidade de explicações para uma insuficiência momentânea. Não há momentos infelizes; há, no limite, pessoas que encontram infelicidade em alguns momentos. Somos cobaias do que ainda não aconteceu. Não tenho qualquer problema com isso, devo confessar.
Sábado.
Fica pouco do que nunca amámos. No máximo, uma sensação de tentativa sem nexo, uma lembrança vã. As pessoas são feitas do que amam, só isso.
Domingo.
A alegria passa, que canalhice. Os dias de sol são enganos, simples ilusões. De repente, as pessoas deixam-se levar pela luz e acreditam que conseguem mudar o mundo. Depois algumas, sem saberem que já é noite, mudam-no mesmo.