Parkinson: lutar com a "doença do mentiroso"

Parkinson: uma luta diária

Chamam-lhe ‘doença do mentiroso’, conta-me Maria da Luz, a mãe que luta contra a doença de Parkinson, que afeta a sua filha de 44 anos.

Um testemunho sobre dor e determinação. A propósito do Dia Mundial da Doença de Parkinson, que se celebra em abril (dia 11). 

 

Sónia, 41 anos, médica, professora, pessoa ativa e trabalhadora. Começou por perder forças e resistência para fazer a sua rotina diária. Mas, lutadora, continuou a trabalhar, com a ajuda de amigos médicos que a aconselhavam de vez em quando, nos corredores por entre os gabinetes. Até que os sintomas se agravaram de tal forma que um amigo lhe alertou. “Tens de ir a uma consulta como deve ser,” disse. Exames feitos, e resultados negativos. Estranho. Mais exames, e o fantasma apareceu: Sónia tinha Parkinson. Isto foi há três anos.

 

“Não nos quis dizer nada por o meu marido estar doente na altura”,

Explica-me Maria da Luz, mãe de Sónia. Tem 74 anos  − mais 30 do que a filha. “Quando nos contou, já estava muito adoentada, a doença estava muito avançada.”

 

Maria da Luz é hoje viúva e cuida da filha, tendo-se mudado para Lisboa. Deixou a casa, os amigos, a sua rotina, tudo para ir para Lisboa cuidar de Sónia. Diz-me que teve dificuldades em se adaptar à grande cidade, inclusive a conduzir. “Passei de um meio pequeno para um meio grande e foi muito duro.”

 

Quando veio o diagnóstico com a doença de Parkinson, “foi a desilusão total. Caíram todos os sonhos. Ela era muito trabalhadora e tinha muitos projetos. Foi muito complicado, porque a doença não é só dela, é da família toda”, conta Maria da Luz. Explica a vida familiar antes da doença. “Somos uma família muito unida. Todos os anos fazíamos uma grande viagem e no final reuníamo-nos para falar sobre o que correu bem e o que correu mal no ano. Com aquele diagnóstico, a vida deu uma volta de 180 graus.”

 

Foi aí que tudo teve de ser reformulado.

Sónia era assombrada por dores, não conseguia dormir, e ninguém na casa conseguia descansar. Maria da Luz teve de contratar uma pessoa interna para a ajudar, a qual lhe dá assistência ainda hoje. “A Parkinson é progressiva e degenerativa, por isso foi evoluindo. Finalmente a Sónia foi operada, puseram-lhe elétrodos na cabeça. Não é uma cura, mas assim não tem tantas dores. Mudaram a qualidade de vida dela.”

 

Entretanto, a vida continua no hospital público em Lisboa onde Sónia é residente. Uma escolha pela quantidade de pessoas e pacientes que vão aparecendo no seu dia a dia, para ter contacto e “para se tornar mais sabedora”. Isto obrigou à adaptação de Maria da Luz a Lisboa. Uma alteração lenta mas progressiva. “Agora já conduzo por todo o lado em Lisboa”, afirma. Apesar das falhas de memória, de lidar com a irmã mais nova de Sónia, que via na irmã um ídolo. “Uma segunda mãe”, diz Maria. “Ela hoje ainda não aceita a doença da irmã.”

 

Em busca da normalidade

No entanto, tanto Maria da Luz como Sónia continuam a buscar a normalidade da vida de ambas. Nunca se conformam. Sónia tem sempre hidroterapia, fisioterapia, e todos os sábados vai à ‘Dançar com Parkinson’. É uma iniciativa no Bairro Alto, em Lisboa, no Convento de São Pedro de Alcântara. Aí, pacientes e familiares dançam com movimentos adaptados à doença. “Além do movimento, há o convívio, claro. Somos todos uma família, vivemos uns para os outros. Quando alguém falta, todos ficam preocupados. Há uma entreajuda entre todos os membros e sai toda a gente de lá sorridente.”

 

Sónia tentou conduzir uma vez, mas deixou de o fazer devido à perda de coordenação. Ficou de tentar de novo. “O importante é não desistir”, proclama Maria da Luz. “Eu não me conformo. E peço a todos os pais que se deparem com esta situação para não desistirem, para não perderem a paciência. [A Parkinson] não é uma doença muito mal compreendida, aliás, chamam-na de ‘doença do mentiroso’. Numa hora o paciente não tem forças e na outra a seguir muda completamente de estado de saúde e de espírito.”

 

Não desistir

Já Sónia também continua a trabalhar. Antes médica e professora na universidade, agora naquilo que consegue fazer. “Faz trabalhos de protocolo e relatórios de investigação”, conta Maria da Luz, com um teor de determinação na sua voz. Determinação que me parece também muito característica da sua filha.

“Passa-se pela revolta, por todas as fases do  processo, e temos de ir aceitando. Porque senão ficamos nós mais doentes. Não devemos deixar de ir ao café, de sair, de falar com as pessoas. Não devemos deixar de fazer uma vida o mais humana possível dentro das limitações.”

 

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